Entre o fim dos livros de Samuel e o começo dos livros de Reis passa algum tempo. Davi está “velho e entrado em dias” (1 Reis 1.1), confinado ao leito, atendido por Abisague, a sunamita (v.2-4). Aparentemente Davi ainda não havia se dado conta da terminalidade da situação, pois continuava nominalmente rei. Isso dava ocasião a intrigas sucessórias cada vez mais explícitas e perigosas.
A situação chega a um ponto sem retorno quando Adonias, que com a morte de Absalão passava a ser o filho mais velho, se proclama rei, com significativo apoio das elites (v.5-8). Parte da elite, porém, não apoiava Adonias. Por isso tinha sido excluída dos preparativos para a “festa da sucessão” (v.9-10), que acontece fora de Jerusalém. Pelo jeito nem o próprio Davi sabia desse movimento de tomada do poder (v.18). O grupo que havia sido deixado de lado apoiava Salomão, que, mesmo não sendo o mais velho, era o escolhido de Davi, segundo palavras do próprio Davi, lembradas a ele por Bate-Seba (v.17), e pelo profeta Natã (v.27).
Davi reage de forma imediata e decidida. Uma cerimônia de posse é celebrada no mesmo dia (“no dia de hoje”, v.30). Salomão recebe a unção do sacerdote Zadoque, acompanhado pelo profeta Natã (v.34,39). O cortejo real é saudado pelo povo (v.39-40). Assim, simultaneamente acontecem duas cerimônias de posse. Quando Adonias e seus apoiadores ouvem os gritos de festa em Jerusalém, são informados dos últimos acontecimentos (v.41-48), e o grupo se dispersa (v.49).
Como pano de fundo, o texto menciona uma prática que parece ter sido prontamente assumida pela realeza em Jerusalém, que também nisso quer ser “como todas as nações” (1 Samuel 8.20). Quando Bate-Seba apela ao rei (1 Reis 1.17-21) por seu filho, o faz não só para que ele se torne o rei. Ela apela pela vida de seu filho e sua própria (1.21). Novos reis costumavam se livrar de todo rival em potencial, mesmo que fossem sua família, o que quase sempre era o caso. E assim tem início um novo período na história de Israel, com a segunda geração de uma monarquia que se torna dinástica. Não sem as ambiguidades que marcam os jogos do poder, em meio aos quais o projeto divino de um povo reconciliado, instrumento de reconciliação aos povos, parece ir se tornando uma miragem distante.
Dia 284 – Ano 1