O drama relatado no trecho anterior (1 Reis 13.1-6) é narrado de um jeito que revela aspectos que nortearão as perspectivas na sequência da história bíblica. Do ponto de vista da narrativa, o reino de Judá tem a seu favor o fato de preservar a religião autêntica, da qual o reino de Israel estaria se afastando. A versão da história defendida pelos israelitas do norte, contudo, alega tanto legitimidade como antiguidade. Por muito tempo bezerros de ouro foram reverenciados em Israel. Pequenos ajustes na narrativa tornariam essa narrativa a “verdadeira” versão da história de Israel. Quando Jeroboão proclama: “Este é o teu deus, Israel, que te fez subir do Egito” (1 Reis 12.28), suas palavras reverberam e ganham legitimidade das palavras de ninguém menos que Arão, considerado o maior sacerdote da história de Israel (conforme Êxodo 32.4). Começa, portanto, uma “guerra de narrativas” no seio do povo de Deus. Guerra que envolve desde o político e econômico até o religioso.
Vários aspectos aqui dão o tom para muito do que virá na sequência da história bíblica. No trecho anterior (1 Reis 13.1-6) temos uma contraposição à qual devemos ir nos acostumando. De um lado, “o rei”, fazendo o que achava que tinha que fazer. De outro lado, o “homem de Deus” que com suas palavras enfrenta o rei. O rei reage com o poder que tem à mão. O profeta reage invocando um sinal divino. E a mão do rei fica paralisada. O rei se vê obrigado a engolir em seco e pedir ao profeta que interceda por ele “ao Senhor, teu Deus” (13.6) . O profeta intercede, e o rei tem sua saúde restabelecida.
No presente trecho (1 Reis 13.7-20), o texto vai contrapor “profeta” a “profeta”. Ao ser convidado pelo rei para jantar, o profeta de Judá responde que Deus lhe dera ordens expressas para que não comesse na casa de ninguém em Israel, e que voltasse para casa por um outro caminho (13.9). Em Betel, onde se encontravam, morava um “profeta” já de idade (13.11), a quem os filhos contaram tudo que se passou. O profeta de Judá é sempre referido como “homem de Deus” (13.11-14), título que em nenhum momento é dado ao velho profeta de Israel. Ele convida o homem de Deus a jantar com ele, o que este não aceita, repetindo o que havia dito ao rei (13.17). Aí chegamos a um ponto alto da narrativa. “Também eu sou profeta como tu”, disse o profeta ao homem de Deus (13.18). “E um anjo me falou por ordem do Senhor” dizendo que era para convidá-lo para jantar. Face a estes argumentos o homem de Deus cede e aceita o convite (13.19).
Enquanto comiam, “veio palavra do Senhor ao profeta que o havia feito voltar”: “Foste rebelde à palavra do Senhor” (13.21). Na sequência se verá que esta palavra do profeta do norte era autêntica. Já em 13.18 o narrador, depois de relatar as palavras deste mesmo profeta, acrescenta: “mentiu-lhe”. A palavra do “anjo” que lhe havia falado “por ordem do Senhor” era falsa. Aqui somos introduzidos a um problema que acompanhará o povo de Deus por toda a sua história. Há profeta, e há profeta. Há “palavra de Deus” e há “palavra de Deus”. Como distinguir? O “homem de Deus”, aqui no texto, se deixou enganar pelo “profeta” que lhe dirige a palavra.
Dia 308 – Ano 1