1 Reis 18.20-46 (3)

1 Reis 18.20-46

Para o texto que estamos lendo, a causa de não chover é uma decisão divina, manifesta na palavra do profeta e realizada pela própria natureza. Todos juntos. Deus, ser humano, mundo. Todos juntos, numa harmonia que é expressão das estruturas profundas da criação divina. Mas nós perdemos essa capacidade de ver as coisas juntas, e as separamos, dividimos, e até achamos que assim vemos melhor. Religião significa “religar”, re-unir o que era unido e foi separado. Nesse sentido, a história bíblica é um grande épico “religioso”. Mas a própria religião pode se tornar um produto da divisão. Em vez de ser meio de religação entre Deus, o ser humano e o mundo, ela acaba perpetuando processos de separação. E assim se torna parte do problema, e não mais sua possível solução.

No embate entre Elias e os profetas de Baal, o que temos é religião contra religião. Uma religião que independentiza os processos naturais, e que por isso também pode servir de suporte a políticas que independentizam as ambições e os interesses humanos, colocando o sagrado debaixo do controle humano. No aspecto religioso, isso fica evidenciado nas ações dos profetas de Baal (1 Reis 18.26, 28-29). Eles controlam e tentam manipular o sagrado, dançando ao redor do altar, se flagelando, sendo levados a um transe profético. Só não podem fazer fogo. Elias, por sua parte, convoca o povo e segue com ele os ritos e as prescrições contidas na Torá, à qual todos se submetem. E clama ao Senhor, Deus de Abraão, de Isaque e de Jacó, reconhecendo-se servo que se guia por Sua palavra. E desce fogo do alto. A religião aí representada reconhece as profundas conexões entre o Criador e Suas criaturas. E conduz a uma harmonia entre Deus, ser humano e mundo, sempre prenhe de possibilidades.

Num mundo dividido, nunca deveríamos subestimar o potencial de uma religião que se adapta à divisão e busca inclusive controlá-la para propósitos cujas expressões sociais, políticas e econômicas se deixam reconhecer. No final da grande narrativa bíblica vamos encontrar um poder religioso que, a serviço de causas políticas e econômicas, “opera grandes sinais, e até fogo do céu faz descer à terra” e assim “seduz seus habitantes” (Apocalipse 13.13-14). Talvez o reconhecimento desse potencial explique, de certo modo e em parte, o jeito drástico com que os profetas de Baal foram eliminados em nosso texto (1 Reis 18.40).

Quando o povo se prostra e reconhece: “o Senhor, Ele é Deus” (18.39), reconhece que Ele é o Deus que conduz e abençoa a Sua criação. Que escolhe um povo, não para que use a religião em função de interesses, mas que reconheça nela uma expressão do propósito divino de reconciliação do ser humano com Deus e com o mundo. Deuses que não levam a isso, não o são.

Dia 320 – Ano 1