Debaixo de chuva, Acabe chega em casa e vai direto relatar a Jezabel, sua esposa, os últimos acontecimentos (1 Reis 19.1), como Elias mandara matar todos os profetas de Baal e de Asherá. Estes últimos, especialmente, contavam com o favor da rainha. Furiosa, ela manda um recado a Elias: “Façam assim os deuses, e acrescentem: amanhã a essa hora terei feito à tua alma como foi feito à alma de cada um deles” (19.2).
Temeroso, Elias foge, “vai por sua alma”, diz o texto (19.3). Vai até Beerseba, no sul, no reino de Judá (lembrando que tudo se passou no reino de Israel, no norte). Lá ele se separa do seu acompanhante e segue sozinho pelo deserto. Tendo andado um dia inteiro, cansado ele senta debaixo de uma pequena árvore. Foram tantas emoções nesses últimos dias. O confronto com os profetas de Baal havia exaurido suas forças. Na política de Acabe, os profetas do Senhor haviam sido sistematicamente eliminados. Aparecer assim em público, ainda mais confrontando os religiosos de plantão, poderia para Elias ser considerado morte certa. No fim do dia quem morreu foram os profetas de Baal. Mas já no dia seguinte Elias é jurado de morte pela poderosa rainha Jezabel.
Sentado debaixo de uma árvore depois de um longo dia de caminhada pelo deserto escaldante, Elias não aguenta mais. “E pediu à sua alma para morrer”, diz literalmente o texto, numa expressão para nós difícil de entender. E disse: “Chega! Senhor, leva a minha alma” (19.4).
Em 1 Reis 17.17-22 já havíamos notado como em textos bíblicos onde a morte é descrita mais explicitamente, parece haver um entendimento um tanto diferente do que o que a nossa cultura atual nos lega. A história lá contada diz que um menino, filho da viúva com quem Elias estava hospedado no tempo da estiagem, morreu. O texto diz que o menino foi acometido de uma doença e foi enfraquecendo “até que a neshamá não mais permaneceu nele” (1 Reis 17.17). Normalmente se entende aqui que ele parou de respirar, entendendo neshamá simplesmente como “respiração” . Só que com isso se muda o sujeito da frase. Ela diz que a neshamá não permaneceu nele, sai dele. “Respiração”, como nós entendemos, é uma função corporal. O corpo, para muitos de nós o único sujeito, único ser “real”, pára de respirar, e a pessoa (o corpo) morre.
Essa nossa maneira de entender nos parece tão óbvia que, querendo ou não, tendemos a projetá-la no texto. Só que o texto atribui à neshamá não só realidade, mas protagonismo, ela é o sujeito da frase. É vista como um ser com suficiente independência em relação ao corpo, que pode sair dele. Na sequência da história, Elias deita o menino e se estende três vezes sobre ele, e clama: “Senhor, meu Deus, faz voltar a alma (néfesh) desse menino para dentro dele”. E o Senhor atende, “e a alma do menino volta para dentro dele, e ele (re)vive” (1 Reis 17.21-22).
Dia 321 – Ano 1