Num contexto de muita gravidade, Deus chama o profeta Elias para uma de suas últimas missões. Ir ao encontro de Acabe, quando este descia a Jezreel para tomar posse da vinha de Nabote, que expropriara de forma tão escandalosa. “Mataste, e agora te aproprias”, acusa Elias (1 Reis 21.19). E vem a sentença: Acabe será morto no mesmo lugar em que mataram Nabote. Acabe chama Elias de “meu inimigo”. Elias denuncia: “Te vendeste!” (21.20). Acabe fez o mal diante dos olhos do Senhor, agora Ele trará o mal sobre Acabe e sua família. Jezabel também é condenada diretamente: “cães a comerão na entrada de Jezreel” (21.22). Por incitação de Jezabel, Acabe cometeu crime hediondo, também por adorar ídolos (21.25-26).
Ao ouvir a sentença da boca de Elias, Acabe “rasgou as vestes e se cobriu com trapos, e jejuou; dormia sobre trapos e andava devagar e cabisbaixo” (21.27), sinais de mortificação e penitência. Vendo isso, Deus fez chegar uma palavra a Elias: “Viste como Acabe tem se humilhado na minha presença?” (21.29). Por isso, pela penitência sincera de Acabe, Deus decide adiar a desgraça anunciada. Aqui somos introduzidos, pela primeira vez, a um tema que aparecerá mais vezes dentro da narrativa bíblica, o da compreensão da profecia, especialmente a relação entre profecia e cumprimento. “Eis que trarei sobre ti o mal”, disse o profeta a Acabe (21.21). E o que acontece? Acabe leva a sério a palavra profética, se arrepende e faz penitência, se humilha. E o que acontece? Deus traz nova palavra ao profeta: “Viste como Acabe se humilhou diante de mim? Como ele se humilhou diante de mim, não trarei o mal” (21.29). Aqui, o que ocorre é só um adiamento da condenação: “não trarei o mal nos seus dias; nos dias de seu filho trarei o mal sobre a sua família”.
Em Deuteronômio, no contexto da promessa de um profeta ao povo, há uma fala divina que tem sido muito usada quando se busca definir a relação entre profecia e cumprimento, especialmente nos dias de hoje, quando todo dia aparecem profetas por aí anunciando isso ou aquilo. “Quando o profeta falar em nome do Senhor, e a palavra dele não se cumprir, e não acontecer aquilo que ele profetizou, esta é a palavra que o Senhor não disse” (Deuteronômio 18.22). O significado de “não se cumprir”, aqui, tem sido interpretado como não acontecer objetivamente, literalmente, aquilo que foi anunciado. Mas isso é não compreender o propósito da profecia na Bíblia. Nesse sentido, podemos dizer que a profecia é dada para que não se cumpra.
Em Jeremias 26.12-13, num contexto de confrontação entre profetas, Jeremias fala aos líderes e ao povo: “O Senhor me enviou a profetizar contra esta casa e contra esta cidade todas as palavras que vocês ouviram. Agora, pois: tornem bons os seus caminhos e ações, e ouçam obedientemente a voz do Senhor seu Deus. Então o Senhor cancelará o mal que havia anunciado a vocês”. A palavra profética quer ser um alerta sobre o que vai acontecer se as coisas continuarem no rumo em que estão. Elas se cumprem quando os destinatários ouvem obedientemente a voz divina e “tornam bons seus caminhos e suas ações”.
E foi isso que aconteceu aqui. Acabe se humilhou diante de Deus, depois que o profeta lhe anunciou o julgamento divino. E Deus deu nova palavra ao profeta: “visto que ele se humilhou diante de mim, não trarei o mal”. O propósito da profecia era alertar o rei e levá-lo a uma atitude de submissão a Deus. Quando isso se deu, a profecia tinha se cumprido. Aqui, no caso, o julgamento foi só postergado, vindo a se cumprir mais tarde. Mas mais adiante na narrativa bíblica encontraremos casos em que Deus cancelará a profecia (como por exemplo na história de Jonas), em virtude do cumprimento de seu propósito profundo: o arrependimento, a mudança de vida em relação a Deus e ao próximo.
Dia 330 – Ano 1