Reis e profetas reunidos no portão principal da cidade, antes mesmo de o profeta Micaías chegar o mensageiro que havia sido mandado buscá-lo tenta, de certa forma, intimidá-lo. Todo mundo está profetizando coisa boa para o rei, faça o mesmo. Ou seja, o enviado de Acabe está tentando colocar na boca do profeta o que este deve dizer ou deixar de dizer. E o pior é que dá a impressão de que não é a primeira vez. Já Micaías vê seu ministério profético sob um único prisma. “Vive o Senhor! O que o Senhor me disser, isso falarei” (1 Reis 22.14).
Micaías é trazido diante do rei, que lhe faz a mesma pergunta que havia feito aos outros profetas. Inesperadamente, Micaías responde tal como os outros profetas: “Sobe, triunfarás, o Senhor a entregará na mão do rei”. O rei não está contente. “Quantas vezes terei que te fazer jurar não me dizer em nome do Senhor senão a verdade?”. Então Micaías diz: “Vi todo Israel disperso pelos montes, como ovelhas sem pastor. E o Senhor me disse: Não têm senhor, estes? Voltem cada um à sua casa, em paz”. Muito tempo depois, Jesus ecoa estas palavras com compaixão, ao ver as multidões ao seu redor, “aflitas e exaustas como ovelhas que não têm pastor” (Mateus 9.36). Pastores eles tinham, aqui temos uns quatrocentos. Mas estão parecendo mais “ladrões e salteadores”, que não entram no cercado “pela porta, mas sobem sorrateiramente por algum outro lugar” (João 10.1).
Micaías, então, conta o que viu na corte celeste, e como o Senhor autorizou um espírito a enganar os profetas, para que causassem a derrota do rei, pois o Senhor decretou o mal contra Acabe (22.19-23). Aí Zedequias, o dos chifres, deu dois tapas em Micaías, e Micaías anunciou a ele o que lhe aconteceria num futuro próximo. Indignado, o rei mandou prender Micaías. Quando ele voltasse vivo e vitorioso, todos veriam onde está a verdade.
Aqui vemos que a temática da obediência à voz profética, que tinha sido ponto chave na distinção entre o jeito de governar de Davi e o de Jeroboão, foi com o tempo adquirindo matizes mais sutis e complexos. Davi tinha acatado a denúncia profética e buscado perdão e renovação em Deus. Jeroboão, em vez de acatar, mandou prender o profeta. Mas o conteúdo da palavra profética, em si, estava claro. Com o tempo, coisas que não deviam se misturar foram se misturando, e o cenário foi ficando embaralhado. Reis passaram a ter profetas a seu serviço. Como vimos no episódio do Monte Carmelo, não poucos se adaptaram a essas condições. Provavelmente os profetas da corte tinham boas condições de vida. Não está claro quais eram os critérios para que alguém fosse considerado profeta e pudesse se integrar à corte. Só que, com isso, a profecia foi sendo gradualmente domesticada. Deixou de ser o modo pelo qual Deus podia confrontar o rei, para ser mais um dos modos pelos quais o rei fortalecia e legitimava o seu poder, com ou sem Deus.
Dia 332 – Ano 1