A sanha sanguinária de Jeú trouxe mais problemas do que aqueles do seu entorno imediato. No reino de Judá, ela vai desencadear acontecimentos que se mostrarão como um elo a mais num processo de erosão e decadência por que passam os reinos desunidos de Israel. O assassinato de Acazias, rei de Judá, e de vários de seus parentes (2 Reis 9.27; 10.12-14) não fazia parte da incumbência dada a Jeú por palavra profética. E dá início a tentativas de desestabilização do regime em Judá, onde a dinastia davídica tinha conseguido se manter no governo até aqui. Em 2 Reis 11.1 temos uma das passagens mais desalentadoras dos livros dos Reis. “E Atalia, mãe de Acazias, quando viu que seu filho estava morto, levantou-se e destruiu toda a semente real”. Um jeito hebraico de falar, sinalizando que Atalia mandou matar todos os descendentes de Davi, a família real de Judá.
Essa notícia é tão alarmante que convém parar e refletir sobre ela e sobre suas implicações. Ajuda se tentarmos nos colocar na pele das pessoas em Judá naqueles dias. As antigas promessas a Davi, de que nunca faltariam descendentes dele para sentar no trono de Jerusalém, tinham sido um fator de estabilização no reino até aqui. Israel, o reino do norte, cedo já fora alvo de rebeliões e tomadas de poder que, com o tempo, foram descaracterizando a noção de continuidade e estabilidade política. Só uma que outra vez um rei havia conseguido passar o poder a seus filhos.
Vimos em 1 Reis 12.26-29 como Jeroboão, no início da história do reino independente de Israel, estabeleceu dois santuários onde se podia reverenciar o bezerro de ouro. É provável que os bezerros de ouro eram considerados imagem atrás da qual estava o Deus de Israel. O perigo de o povo voltar a se submeter ao rei de Judá, por causa da religião, era real. Ainda no livro de Tobias, muito tempo depois, vamos encontrar evidências desse magnetismo que o culto em Jerusalém representava para os fiéis. Tobite, um israelita, lamenta: “toda a tribo de Naftali, meu antepassado, se separou da casa de Davi e de Jerusalém …; lá é que o Templo em que Deus habita fora construído e consagrado… . Todos os meus irmãos … ofereciam sacrifícios ao bezerro que Jeroboão, rei de Israel, havia feito” (Tobias 1.4-5).
Agora, em 2 Reis 10, vemos um sucessor de Jeroboão, Jeú, denunciado pelo texto bíblico por “não se apartar dos pecados de Jeroboão, que fez Israel pecar” (2 Reis 10.31), matar o rei de Judá sem propósito aparente, justamente numa época em que os dois reinos estavam se dando bem. Com isso se abre um vazio momentâneo de poder em Judá. Atalia, mãe de Acazias, o rei morto, dá um golpe de estado, o primeiro na história do reino de Judá.
Mas isso não é o pior, da perspectiva do texto. Atalia manda matar todos os descendentes de Davi, a família real de Judá. O texto é taxativo: “e destruiu toda a semente real” (2 Reis 11.1). Podemos tentar imaginar o que a notícia causou nos fiéis em Jerusalém e Judá. Sua fé no Deus de Israel estava umbilicalmente vinculada à aliança de Deus com Davi e a promessa de sempre ter um filho seu no trono em Jerusalém. E agora?
Dia 351 – Ano 1