Naamã estava indo embora. Geazi, assistente de Eliseu, refletindo no que tinha se passado, não achou justo que Eliseu não tivesse aceitado os presentes de Naamã. O texto não diz se nesse momento os discípulos dos profetas estavam passando penúria, mas as histórias contadas em 2 Reis 4 mostram um quadro de escassez. Nesse contexto, o profeta recusa uma bela oferta, que poderia ter ajudado muita gente. Dissimuladamente, Geazi corre atrás da comitiva síria, que o recebe com cortesia. Inventando uma história, Geazi recebe das mãos de um agradecido Naamã uma bela bolada (2 Reis 5.19-24).
Eliseu confronta Geazi, que continua a dissimular e a mentir. “Meu coração te acompanhou” e viu tudo, diz o profeta (5.26). O espírito de Eliseu está conectado com o de Elias, que vive agora diretamente na corte celeste. Assim Eliseu vê e ouve mais que os mortais normais. Isso pode suscitar nos outros dois tipos de reação: de insegurança, ou justamente de segurança. O texto não fala da reação de Geazi, mas indica que ele acreditava que sairia impune dessa situação.
A fala de Eliseu em 5.26 foca na questão do “tempo”, não simples tempo cronológico, mas o tempo certo para fazer as coisas. Essa noção é importante nos textos bíblicos. O livro de Eclesiastes lhe dedica boa parte de um capítulo (Eclesiastes 3.1-15). Para tudo há um tempo, diz (3.1), e apresenta uma longa lista de pares em contraposição, em que cada elemento tem o seu momento. Os contrários, aqui, não se excluem, se incluem na grande dança da vida e do tempo. Há tempo de nascer, há tempo de morrer. Tempo de chorar, tempo de rir. Tempo de espalhar, tempo de ajuntar. Tempo de calar, tempo de falar. Tempo de guerra, tempo de paz (Eclesiastes 3.1-8). Tudo que Deus fez é bonito em seu devido tempo. E para que os humanos tenham noção do tempo, “pôs a eternidade em seu coração” (3.11).
Em 2 Reis 5.26, o profeta Eliseu mostra percepção da eternidade em seu coração, e por isso mesmo tem noção certa do tempo. Será que é tempo de correr atrás de prata, roupas finas, olivais, vinhas, ovelhas e bois, servos e servas? A pergunta fica no ar, e assim chega até nós hoje.
Pela mentira e dissimulação com que tratou o mestre e seu visitante, Geazi vai experimentar na pele o que na Bíblia parece ser um princípio da criação divina. “Aquilo que alguém semear, colherá”, diz Paulo (Gálatas 6.7). Ele será atingido pela lepra da qual Naamã havia sido curado. “Há tempo de plantar e tempo de arrancar o que foi plantado”, diz o sábio (Eclesiastes 3.2). “Discernir os sinais dos tempos” (Mateus 16.3) era para Jesus uma questão candente, e tanto mais quanto mais se aproximasse o fim dos tempos.
Dia 343 – Ano 1