Estamos em Dotã, uma pequena cidade perto de Samaria, capital do Reino de Israel. A cena é inusitada. A cidade amanhece cercada por um exército estrangeiro. Na cidade mora um profeta, que está no epicentro dos acontecimentos. No amanhecer o ajudante do profeta sai da casa onde eles estão, e vê as tropas sírias na colina ao redor da cidade. O rapaz grita assustado: “Ai, senhor! Que faremos?” (2 Reis 6.15). “Não tenha medo”, diz Eliseu; “são bem mais os que estão do nosso lado” (6.16).
Podemos imaginar a reação aturdida do rapaz. Será que a idade começa a se fazer notar em Eliseu? Será que ele ainda está meio dormindo e não percebe o perigo? “Eliseu ora e diz: Senhor, abre-lhe os olhos, para que veja” (6.17). “E o Senhor abriu os olhos do rapaz, e ele viu, e vejam: o monte, cheio de cavalos e carros de fogo ao redor de Eliseu” (6.17).
Esta pequena cena dá o que pensar. Quanto mais refletimos sobre ela, mais vamos percebendo sua abrangência. Trata-se de nada menos do que o modo como vemos a realidade. O ajudante de Eliseu tinha a sua frente a mesma realidade que Eliseu. Mas Eliseu enxergava mais que ele. E é sobre esse “mais” que o texto quer nos fazer pensar. O rapaz só conseguia ver um exército inimigo poderoso pronto para atacá-los, prender seu mestre e talvez matar a ele e a quem mais ousasse resistir. E se desespera.
Eliseu, no entanto, vê “mais”. Vê um segundo exército por trás desse. Vê o monte cheio de carruagens e cavalos de fogo. E isso o leva a ficar tranquilo. Carruagens e cavalos de fogo já haviam aparecido na narrativa bíblica, não muito tempo antes. Quando Elias e Eliseu atravessavam o Jordão a pé, subitamente carruagens e cavalos de fogo descem do céu e passam entre Elias e Eliseu, e depois Elias não é mais visto.
Tempos depois Eliseu, acossado por inimigos, tenta tranquilizar seu ajudante. “São bem mais os que estão do nosso lado”. Só que o rapaz não via nada. Então Eliseu pede a Deus “que lhe abra os olhos”. E o Senhor lhe abriu os olhos, diz o texto, “e vejam: o monte, cheio de cavalos e carros de fogo”. Toda a diferença, portanto, estava no que eles viam. A realidade é a mesma.
Eliseu, contudo, parece enxergar uma dimensão a mais dessa mesma realidade. Que era invisível ao seu ajudante. Mas que poderia ser facultada também a ele. Como de fato foi. Deus lhe abriu os olhos, e agora ele podia ver essa realidade multidimensional que Eliseu parecia ver normalmente. As carruagens e os cavalos de fogo não apareceram só para levar Elias ao céu. Continuam por aí. Bem como os anjos que as conduzem, e que “são bem mais” do que as tropas inimigas.
Dia 345 – Ano 1