No capítulo anterior pudemos ver como as coisas, nos anos de caminhada do povo pelo deserto, se passaram desde a perspectiva divina, muitas vezes diferente da nossa. Para percebê-la, temos um recurso de grande importância na espiritualidade bíblica: rememorar, contar sempre de novo as histórias do cuidado de Deus pelo Seu povo. “Rememorarás todo o caminho pelo qual o Senhor, teu Deus, te guiou” (Deuteronômio 8.2). Esquecer de relembrar é começar a esquecer de fato. E o perigo de esquecer também sempre de novo é lembrado pelos textos bíblicos (Deuteronômio 8.11,19).
Em Deuteronômio 9 temos um exercício concreto de rememoração. Moisés pede a Israel que ouça com atenção e que medite num fato importante: não é porque Israel é bom, e os outros povos maus, que Deus o escolheu (9.1-6). E, para que isso fique bem gravado nas mentes e nos corações, Moisés passa a narrar de novo as infidelidades do povo ao longo desses últimos quarenta anos (9.7-24).
Essa narrativa da “vida no pecado”, acompanhada da lembrança do perdão (9.25-29), faz parte da essência da espiritualidade bíblica. Claro que ela pode ser desvirtuada e chegar a se tornar um exercício de auto-flagelação, propiciando sadismos e masoquismos que todos nós guardamos no fundo da alma. Tudo que é bom pode ser usado mal. Mas o esquecimento desta prática entre o povo de Deus, talvez tenha sido uma das razões para o advento da psicologia moderna em seu lado prático, clínico. Quando igrejas e sinagogas já não propiciam um ambiente de carinho-com-seriedade, onde essa rememoração possa acontecer sob o signo da aceitação e do perdão, ela precisa achar outro espaço de concretização, por sua importância para a saúde mental e espiritual do ser humano.
Mesmo os nossos esquecimentos, porém, não são a palavra final. O mais importante é que Deus lembra. E que haja pessoas que trazem as pessoas a Ele, pedindo-Lhe que lembre (v.27).
Dia 160 – Ano 1