Este trecho inaugura um padrão que se repetirá ao longo da Bíblia. Aos atos poderosos de Deus na história e na vida das pessoas (Êxodo 14) segue-se a gratidão e o louvor. O que temos aqui é poesia que surge do fundo da alma comovida pela ação de Deus. Poesia que ao mesmo tempo é oração (o canto é entoado “ao Senhor”, Êxodo 15.1).
Este poema realiza um movimento muito importante. Ele não sucumbe à divisão entre forma e conteúdo, tão comum em nossa racionalidade atual. Feita essa divisão, é natural que num passo seguinte se acabe privilegiando um dos dois. Privilegiando-se a forma, corre-se o risco de cair num formalismo auto-suficiente e vazio. Privilegiando-se o conteúdo, corre-se o risco de ficar com uma arte cerebral e sem estética. Talvez este seja um dos maiores problemas hoje, em nosso universo cultural.
A arte que se expressa em Êxodo 15, é arte reconciliada. Sua forma é bela e cheia de conteúdo. Observem o paralelismo. Cada versículo, normalmente, tem duas partes, sendo uma um espelho da outra; a segunda repete o tema da primeira em quase infinitas variações. Os v.2 e 16 fazem isso duas vezes. Um segundo padrão tem três partes, num movimento que vai se intensificando (v.8,9,11,15,17). Ainda hoje, uma leitura e entonação por distintas pessoas ou grupos, seguindo estes padrões, terá um belo efeito. Isso aqui é arte comunitária. A forma de sua execução é seu maior conteúdo: integrar os irmãos numa comunhão alegre e amorosa. Seu conteúdo, por outro lado, é verdadeiro, humano e, por isso mesmo, divino. Há que meditá-lo e se deixar envolver pessoalmente, do fundo do coração, no movimento de vida e espiritualidade que o anima.
Dia 68 – Ano 1