“Ouçam a palavra do Senhor, cidadãos de Sodoma! Escutem a instrução do nosso Deus, povo de Gomorra!” (Isaías 1.10). Espiritualmente, Judá e Jerusalém nesse momento são Sodoma e Gomorra, os lugares símbolos da maldade, que foram destruídos pelos céus numa catástrofe de dimensões cósmicas (Gênesis 19). E é nessa condição que o profeta se dirige agora ao povo de Deus. Os motivos do desagrado do Senhor passam a ser mostrados. O profeta nos leva a olhar para a realidade desde a perspectiva de Deus. O que nós vemos de um jeito, dentro de nossos limitados, acanhados e quase sempre auto-justificantes horizontes, Ele pode estar vendo de um jeito bem diferente. Mostrar isso, é parte importante da vocação profética.
O culto que aqui é prestado a Deus, na verdade O enoja. “De que me servem todos esses sacrifícios?” (Isaías 1.11). Por muito tempo, humanos têm pensado que a divindade precisa ser alimentada. “Estou farto” (1.11). Ou seja, essa nunca foi a intenção dos sacrifícios. Já é um problema que animais inocentes tenham que morrer por pessoas culpadas. Mas se isso se torna uma formalidade, ou pior, uma superstição; e se ainda por cima se pensa em com isso agradar a Deus, a isso Ele responde: “não me agrado disso” (1.11). “Quem pediu isso de vocês?” (1.12).
O que está retratado aqui é um ruído de comunicação. Na superfície, o sistema sacrificial parece ser a base do culto israelita. Assim ele é descrito em diversas passagens bíblicas. No entanto, a própria narrativa bíblica vai se encarregando de mostrar que isso faz parte do jeito de Deus ir se adaptando às condições e situações dos humanos que Ele ama. Sempre assegurando a essa superfície dos textos uma porosidade que permite que a profundidade das questões que eles tratam possa emergir. A presença constante de Deus nos processos históricos de Seu povo vai propiciando condições em que o próprio povo possa ir percebendo as questões e ir exercendo um protagonismo que é parte inerente do projeto pedagógico divino.
É nessa perspectiva que os textos bíblicos querem nos ajudar a ler a si próprios, como depositários e canais de um processo de comunicação divina que vai se renovando, ampliando e aprofundando. Os mesmos textos que, em dado momento, relatam do agrado divino com o aroma dos sacrifícios, em outro momento refletem o Seu nojo em relação a eles. Os mesmos textos que dão a entender que os sacrifícios são solicitados pelo próprio Deus, em outro momento podem dizer: “Quem pediu isso de vocês?”.
Entender o que causa isso, é ponto crucial na interpretação da Bíblia. Ponto de partida é a percepção bíblica fundamental de que a criação divina tem, toda ela, um caráter relacional. Sujeito e objeto separados, independentes da relação entre eles, é uma modalidade de pensamento na qual nós nos sentimos em casa. Nós. Não os textos bíblicos. Estes nunca reduzem o processo de comunicação a dois pólos separados, e as mensagens que circulam entre eles a proposições válidas sempre, independente das atitudes dos agentes. As atitudes dos agentes são parte integral do processo de comunicação. A mesma mensagem pode ser verdade num momento e não-verdade em outro. Uma mesma frase bíblica pode ser verdade na boca de um salmista, e não-verdade na boca do tentador que assedia Jesus no deserto. A relação entre os comunicantes é que determina a cada momento a verdade das proposições e dos textos.
Dia 7 – Ano 2