“Ouçam, céus! Escuta, terra!”, com essa perspectiva de longo alcance começam as profecias de Isaías (Isaías 1.2). Céus e terra são chamados como testemunhas. Mas têm também suas próprias modalidades de ouvir e prestar atenção. “Criei filhos e os vi crescer”, diz o Senhor, “e eles se rebelam contra mim”. “Desde o dia em que seus pais saíram do Egito até o dia de hoje”, acrescenta outro profeta (2 Reis 21.15).
Até quando comparados a animais domésticos, o povo de Deus fica em desvantagem. “O boi sabe”, “o jumento sabe”, mas “Israel não sabe” (Isaías 1.3). “Nação pecadora, povo pesado de tanta iniquidade”, “abandonaram o Senhor”, se tornaram estrangeiros de novo (1.4). No Seu intento de alertá-los e ajudá-los a cair na real, mesmo o Senhor não tem mais muito que fazer. “Onde mais vocês poderiam apanhar?” (1.5). Cabeça, coração, “da cabeça aos pés” tudo está doente, machucado (1.6). A terra destruída, cidades queimadas, lavouras roubadas (1.7).
“Só sobrou a filha de Sião” (1.8). Não fosse o Senhor, em Seu grande amor e misericórdia, proteger o que restou, Jerusalém seria outra Sodoma, outra Gomorra (1.9). No contexto imediato, o texto pode estar se referindo ao ataque a Jerusalém por parte dos assírios (2 Reis 18.13 — 19.34). Ou ao cerco a Jerusalém por parte dos babilônios, tempos depois (2 Reis 25.1). A falta de uma datação específica não deveria nos preocupar, e menos ainda ser vista como um problema. Aqui a nossa fixação historicista, nossa obsessão por prender com alfinetes os acontecimentos históricos sobre linhas do tempo que só têm sentido para nós, não nos ajuda na interpretação. Libertar os textos bíblicos das nossas linhas do tempo é deixá-los disponíveis para exercerem a sua função em cada novo tempo e lugar. Referenciais históricos, nestes textos, não são pontos absolutos para a interpretação. São pontos de partida.
Na verdade a plasticidade dos textos proféticos, sua abertura a se deixar atualizar no decorrer da história, é um ponto positivo. Ela se fundamenta na fé em que Deus continua a guiar a história do Seu povo. E que a história nunca se repete exatamente igual. Acontecimentos de hoje lembram acontecimentos do passado, que estudados podem nos iluminar na compreensão do presente. Presente que, este sim, é o tempo de Deus. É para ele que converge, sempre, o passado. E compreender este passado no presente, é abrir o futuro para que o Deus de ontem e de hoje seja também o Deus de amanhã. Importa “ouvir hoje a Sua voz” (Salmos 95.7). A geração atual e o momento atual sempre são o decisivo para a narrativa bíblica. E é em função deles que os textos bíblicos foram tão cuidadosamente preservados.
Dia 6 – Ano 2