Fechando um arco iniciado em Isaías 13, temos aqui uma nova profecia sobre Babilônia, identificada aqui como “o deserto do mar” (Isaías 21.1). O anúncio é enigmático: “Como furiosas tempestades do Neguev, do deserto ele vem, de uma terra de dar medo”. O Neguev é o deserto do sul da Judéia, e suas tempestades servem de termo de comparação para “o que vem do deserto, de uma terra de dar medo”, que não é melhor identificado. Às vezes essa falta de identificação mais precisa dá ao texto maior abrangência.
O profeta parece ser levado de um lugar para outro em meio às visões, e isso torna o texto ainda mais difícil para um pensamento linear como o nosso. “Dura visão me foi anunciada” (21.2). “O traidor trai, o destruidor destrói”. Sobre esse pano de fundo, vem uma contextualização: “Sobe, Elam! Cerca, Média!”. São duas nações que ficavam ao leste da Babilônia, chamadas ao ataque e ao cerco, provavelmente contra “aquele que vem do deserto” causando pânico (em Isaías 13.17 os medos são incitados ao ataque contra os babilônios).
Em Isaías 21.5-8, o que temos são preparativos diante de um potencial conflito. A guarda é reforçada, os vigias estão muito atentos. Em 21.8 subitamente o vigia é o próprio profeta. Com isso o que se passa no palco é expandido no tempo e no espaço, para englobar situações parecidas em outros tempos e outros espaços. “Caiu, caiu Babilônia!” (21.9), anuncia o vigia. A Babilônia representa aqui o inimigo que faz sofrer. A peça termina com um brado: “Meus pisados! Filhos da minha eira! O que ouvi do Senhor de todos os seres, o Deus de Israel, anuncio a vocês” (21.10). Os grãos colhidos e separados da palha, num processo que para eles pode ser doloroso, são a colheita do Senhor de todos os seres, o Deus de Israel.
Em meio às palavras proféticas temos expressões de angústia e desespero dos atingidos por elas. Entre os quais o próprio profeta. A visão é “dura” (21.2). O corpo todo treme. Convulsões, dores como as do parto. A dor impede de ouvir, de enxergar (21.3). “Meu coração cambaleia, o terror me paraliza” (21.4). O profeta em sua visão sofre o sofrimento das pessoas que nela são atingidas.
O modo como a cena toda é descrita desvela um dos mistérios mais profundos do universo, e que a narrativa bíblica busca expressar. Num primeiro plano, há um povo, pessoas em meio a uma situação de desgraça e sofrimento. Num plano intermediário, há uma pessoa, um profeta, identificado solidariamente com esse sofrimento. Não só anuncia a desgraça, sofre junto as consequências dela. Num plano mais profundo, o profeta reverbera o sofrimento com que o próprio Deus sofre o sofrimento dos Seus amados.
Em Isaías 21.11-12 e 21.13-17 temos duas breves profecias a respeito de povos situados no deserto da Arábia, sem uma identificação mais precisa. A primeira continua o tema do vigia (21.6-9), e a segunda o tema da solidariedade a refugiados (16.2-4).
Dia 39 – Ano 2