Em meio às profecias relacionadas aos povos, temos um massá, uma “palavra pesada” sobre Judá, sem que haja qualquer distinção entre palavra aos povos e palavra ao povo de Judá. A região de Jerusalém é aqui chamada de Vale da Visão (Isaías 22.1). O profeta anuncia um “dia do Senhor” contra o Vale da Visão (22.5), um “clamor de tragédia” (shôa é a palavra que veio a ser usada para o Holocausto judeu na Segunda Guerra Mundial).
De novo vemos o profeta sendo levado de um lado a outro em suas visões, e padecendo solidariamente com as pessoas atingidas. “Choro amargamente a desgraça da Filha do meu povo” (22.4). O quadro é de uma cidade feliz (22.2) sobre a qual subitamente se abate a calamidade (22.2-3). Elão e Quir aqui representam postos militares avançados dos assírios. O cenário poderia bem ser o de Isaías 10.34, onde os exércitos assírios estão às portas de Jerusalém. O pânico é geral. Verificação dos arsenais, reparação de brechas e fortificação dos muros, reservas de água, o movimento é frenético.
Da perspectiva profética, há um problema, um grande problema: esquece-se o principal. “E não olham para Aquele que está causando isso” (22.11), que já há tempo vem preparando esses acontecimentos. “O Senhor, o Senhor de todos os seres conclama, nesse dia, a chorar e a lamentar” (22.12). Mas em vez disso o povo só enxerga para a frente e para o lado, para o inimigo que chega e para os recursos disponíveis. “Se não confiarem, não ficarão firmes”, disse o profeta em um momento parecido com esse (Isaías 7.9). Isso começa com cair em si e perceber que o povo de Deus esqueceu o seu Deus. “Esqueceste o Deus da tua salvação” (Isaías 17.10). Em vez disso, em meio à tragédia, festa, comida, bebida. “Comamos e bebamos, que amanhã morreremos” (Isaías 22.14). Essa frase vai se tornar recorrente na Bíblia, sinalizando a indiferença, o egocentrismo que pode marcar a nossa vida, estando a um passo da tragédia que, talvez justamente por isso, insistimos em fazer de conta que não vemos.
Isaías 22.15-25 fala de um “administrador” (22.15) chamado Sebna, que em vez de cuidar da “casa do teu senhor” (22.18) usa-a para fazer avançar seus planos e projetos pessoais. Em seu lugar será colocado Eliaquim, que enfim cumprirá a função designada e será “um pai para os moradores de Jerusalém e a casa de Judá” (22.21). Ele será responsável pela “chave da casa de Davi” (22.22); “abrirá e ninguém fechará, fechará e ninguém abrirá”. São imagens que, mesmo que seu significado nesse contexto não fique muito claro, influenciarão outros textos bíblicos. O tema geral parece ser o de governantes que, por confiarem ou não, ficam firmes ou não. E com eles todo o povo que está aos seus cuidados. A imagem da estaca firme é eloquente. Nela pode-se pendurar grandes responsabilidades (22.24). “Entrega o teu caminho ao Senhor, confia nEle, Ele fará” (Salmos 37.5) pode parecer, pelos nossos parâmetros, ingênuo demais, especialmente diante de crises. Mas é a “estaca firme” que o texto bíblico, que certamente sabe o que é crise, sempre de novo nos deixa.
Dia 40 – Ano 2