Em Isaías 26.14-19 temos um daqueles trechos bíblicos que parecem contraditórios. Nas duas pontas há afirmações que dizem o contrário uma da outra. Antes de descartar textos como esse, ou olhar para outro lado fingindo que não vê, ou forçar uma harmonização, poderíamos pensar que, quem escreveu essas frases tão perto umas das outras, talvez soubesse o que estava fazendo. Talvez haja aí uma percepção mais profunda, que pode nos escapar à primeira vista. “Mortos não vivem, sombras não ressuscitam!” (26.14). “Vivem os Teus mortos, os nossos corpos ressuscitam!” (26.19).
“Mortos não vivem, sombras não ressuscitam!” No contexto, isso parece ser uma espécie de ditado popular. “Sombras” são os refaím, “fantasmas”, um jeito de descrever os mortos. “Pois os examinaste e os eliminaste, se perdeu toda lembrança deles” (26.14) é uma explicação que atesta a validade desse ditado. A explicação supõe uma extinção total do que uma vez foram seres humanos. O próprio ditado, porém, parece dar margem a uma continuidade. Se uma existência como “sombra” pode ser propriamente chamada de vida, os textos bíblicos discutem, em todo caso se pressupõe algum tipo de continuidade.
Na sequência, o texto parece mudar de assunto, e vamos encontrar gente que, no sufoco, se lembram de Deus e gemem em Sua direção (26.16). Gemem como parturiente, mas ao dar à luz se percebe que era puro vento (26.17-18). Parecia que estavam indo bem, sendo fecundos, mas era ilusão. Em tudo isso se percebe, agora, a “disciplina do Senhor” (26.16). E o resultado é que, aquilo que é impossível para os humanos por si próprios, é tornado possível pelo Senhor que ouve os gemidos. “Acrescentaste ao povo, Senhor, acrescentaste ao povo! Te manifestaste em glória, expandiste todos os limites da terra” (26.15). Os “filhos” que eles não puderam dar à luz, agora estão aí, acrescentados ao povo pelo próprio Deus, manifestando a Sua glória e expandindo as fronteiras do mundo.
“Vivem os Teus mortos, os nossos corpos ressuscitam!” (26.19). A manifestação da glória de Deus e a expansão dos limites do mundo geram não um novo ditado, mas um intenso louvor, em meio ao qual ressoa um chamado. “Acordem e cantem, moradores do pó!”. Os que tinham voltado ao pó agora vivem, seus corpos ressuscitam. Acordam e cantam. “Porque o Teu orvalho é orvalho de luz, e a terra dará à luz as sombras”. O orvalho torna fecunda a terra. O orvalho do Senhor é luz que fecunda a terra e faz com que ela dê à luz as “sombras”, os seus mortos. E as sombras viram luz.
Dia 52 – Ano 2