Ao término de sua discussão com os profetas e sacerdotes (Isaías 28.7-22), que revelam sintomas parecidos com os dos “bêbados” das elites de Samaria e Jerusalém (28.1; 28.7), e depois de adverti-los de que estão se enredando cada vez mais no pecado e na maldade (28.22), o profeta faz uma reflexão que, à primeira vista, parece uma mudança de assunto (28.23-29).
“Ouçam, escutem, prestem atenção” (28.23). Isso lembra as primeiras palavras do Livro de Isaías (1.2), dirigidas ao céu e à terra, para que sejam testemunhas das profecias. E elas nos colocam direto no centro do problema. Pelo jeito, os profetas e os sacerdotes do tempo de Isaías estavam cativados pela ideia de eleição e de uma certa inviolabilidade que vinha com ela. Talvez também com supostas revelações que as reafirmavam. E a partir dessas noções eles se posicionavam no jogo de xadrez geopolítico dos seus dias. Teologicamente, a maior questão aí é a da relação entre “revelação” e “natureza”, entre o Deus Criador e o Deus de Israel. A eleição representava uma “revelação especial” para um povo escolhido, amparada na “revelação especial” da Torá, da Bíblia. O foco é na palavra “especial”, e o problema é que ao distinguir ela pode também excluir e discriminar.
Vimos que o Espírito do Senhor, que repousa sobre o Messias, traz com ele uma gama de elementos que definem as relações de Deus com os humanos e com a criação. Num lado temos o Espírito de “sabedoria” e no outro o do “temor do Senhor” (Isaías 11.2). O Espírito de sabedoria é o que acompanhou e colocou parâmetros na criação do universo, deixando nele suas marcas. O temor do Senhor é o começo do caminho que leva a esta sabedoria. Bem compreendidas, a criação e a religião vem do mesmo lugar e levam ao mesmo lugar. As revelações especiais narradas nas Escrituras tem como pano de fundo o pecado que nos separa da criação, e tem como propósito a restauração dessa relação quebrada. O povo eleito é eleito não para excluir os “não eleitos”, mas justamente para promover a reconciliação.
Em Isaías 28.24-28 temos uma lição sobre esse tema. Se os profetas e os sacerdotes de Jerusalém fossem mais “alunos da criação”, eles dificilmente diriam o que dizem e fariam o que fazem. Os agricultores sabem como fazer com os diferentes tipos de sementes e plantas. E isso não é simples “sabedoria mundana”. Deus ensina, instrui as pessoas no jeito de lidar com a Sua criação (28.26). “Também isso vem do Senhor de todos os seres, maravilhoso em conselhos, grande em salvação” (28.29). Saber como proceder na lavoura e na sociedade, saber como proceder na religião e na fé, vem da mesma fonte e juntos são expressão do mesmo Deus, de Suas maravilhas e de Sua salvação.
Dia 57 – Ano 2