Tal como em Isaías 1.4, temos aqui um “ai” dirigido ao povo de Deus, “filhos teimosos” (Isaías 30.1), que insistem em “fazer planos que não vem de mim”, em “fazer pactos não de acordo com o meu Espírito”, e assim “vão acrescentando pecado a pecado”. Especificamente aqui se está falando de uma aliança (secreta) com os egípcios (30.2), provavelmente para tentar conter o avanço dos assírios. Deus sabe que o refúgio que buscam no Egito é ilusório (30.3). Mas os dirigentes não querem saber. Uma delegação já está a caminho do Egito (30.4). Desde a perspectiva profética, lá “não há ajuda nem benefício, só vergonha e desgraça” (30.5).
O “ai” é seguido por um massá, uma “palavra pesada” (30.6), mas o tema continua sendo o infeliz acordo com os egípcios. O caminho para o Egito passava pelo deserto do Neguev, ao sul, perigoso para viajantes não só pelas condições climáticas mas também por causa dos “animais do Neguev”. Mas isso não intimida os enviados de Judá, dispostos a se desfazer de parte dos seus bens para tentar esse acordo que, na lógica deles, era a melhor ou a única saída. A advertência profética é contundente. A ajuda que os egípcios poderiam dar é uma miragem (30.7). A definição para isso é “estão se assentando sobre Raabe”. Várias vezes o Egito é chamado de Raabe, um lendário e perigoso monstro marinho. Imagens como essa impressionam tanto que são usadas sempre de novo em situações parecidas (como a que encontramos em Apocalipse 17.3, uma prostituta sentada sobre uma besta, lá aplicada à Babilônia do fim dos tempos).
Tão severa é a avaliação divina do momento histórico, que o profeta é instruído a registrar tanto numa plaquinha como num livro, diante dos próprios acusados, como testemunho para tempos futuros: “Este povo é rebelde, filhos mentirosos, filhos que não querem saber da Instrução do Senhor” (30.9). Querem é que quem enxerga, não enxergue. Que os videntes não lhes digam a verdade. Que falem de coisas “positivas” (30.10). Pelo jeito, estava dando certo. Os profetas e os videntes, diz Isaías, estão num sono profundo (29.10). Mesmo os mais sábios e prudentes tendem a se alinhar ao discurso das elites (29.14). A religião, talvez viva por fora, por dentro está cada vez mais longe de Deus (29.13).
O que temos aqui é um confronto de narrativas. O profeta desmascara o discurso deles, mostrando o que está por trás do que estão dizendo (30.10-11). Quando dizem aos que enxergam que não enxerguem, querem dizer “não enxerguem deste ponto de vista”. Aos videntes, dizem para pararem com essas visões “comprovadas”, que só o que mostram é que eles continuam alinhados com “a narrativa” de Isaías. Que sejam mais “positivos”, que falem de “coisas boas”. O que o profeta anda dizendo, que a elite está alimentando “ilusões”, é bem o contrário. Ilusões são o que o profeta tenta nos passar em nome de Deus. Complicado.
Dia 59 – Ano 2