A história dos capítulos 36 e 37 de Isaías se encontra também em 2 Reis 18.13 — 19.37, às vezes palavra por palavra. Quando as mesmas histórias e textos aparecem em vários lugares na Bíblia, há que se prestar atenção. Quando Deus repete coisas na nossa vida, é porque realmente precisamos delas, e às vezes deixamos de aprender na primeira ou nas primeiras vezes.
Também a história de 2 Reis 20 se encontra de novo nos capítulos 38 e 39 de Isaías. Só que aqui ela recebe uma ampliação, que justamente por isso também deveria ser lida com atenção. Ambas as histórias vão aparecer uma terceira vez em 2 Crônicas 32.9-31, ali já um tanto retocadas. Em cada novo contexto elas são inseridas no fluxo de uma narrativa em andamento, recebendo novos acentos de acordo com as necessidades daquele momento.
“Naqueles dias” (Isaías 38.1) o rei Ezequias foi diagnosticado com uma doença terminal, aos 39 anos de idade. Informado disso, ele clama ao seu Deus, suplicando-Lhe que se lembre da fidelidade e da retidão com que ele tem vivido até aqui (Isaías 38.3). A resposta de Deus veio através do profeta Isaías: “Ouvi a tua oração e vi as tuas lágrimas. Vou acrescentar aos teus dias mais 15 anos” (38.5). E prometeu ainda livrar a ele e à cidade das mãos dos assírios (38.6). Como sinal, a sombra no relógio solar retrocederia dez graus (38.7-8).
Isaías 38.9-20 nos traz um registro de louvor de Ezequias, após “ter adoecido e ter sido curado de sua doença” (38.9). Nele o rei faz um relato autobiográfico da crise que viveu. Lembra de como reagiu ao receber a notícia: “Eu disse: No vigor dos meus dias entrarei pelos portões do Sheol. Visitei o restante dos meus anos” (38.10). Uma pessoa, uma das que até nem se consegue encontrar motivos para tanto, é colocada diante de sua morte “no vigor dos meus dias”. Desde o seu ângulo de percepção naquele momento, ela nos comunica o que vivenciou. Ela se vê atravessando os portões do Sheol, o “mundo dos mortos” para não mais voltar ao “mundo dos vivos” (38.19). O restante dos seus anos, que normalmente se espera viver, foi “visitado” num relance, só fazendo aumentar a sensação de perda.
Vivemos num tempo em que se faz questão de tirar de cena a morte. A nossa, por certo. A morte dos outros, o nosso tempo nos tem acostumado a tratar até com relativa indiferença. Nos noticiários e nas mídias sociais, pessoas vão sendo reduzidas a números, tanto que vamos nos acostumando a falar da morte no coletivo, não no singular. O que esse texto bíblico nos traz é singular e ao mesto tempo exemplar, uma pessoa frente a frente com sua morte. Meditar um texto como esse é se abrir a novas possibilidades de encarar não só a morte, mas especialmente a vida da qual ela faz parte.
Dia 73 – Ano 2