No exílio, o povo de Deus pôde redescobrir e aprofundar sua vocação de servo de Deus. Quando todos o consideravam um “ferido de Deus” (Isaías 53.4) ele pôde aprender que isso significava se colocar no lugar de todos os feridos de Deus neste mundo. Israel aprendeu que ser servo de Deus era tomar sobre si as enfermidades e as dores da humanidade, se deixar traspassar pelas transgressões dos outros, se deixar moer pelas iniquidades deles. Carregar sobre si “o castigo que traz a paz” (Isaías 53.5). Em Seus caminhos misteriosos, Deus aceita que o Seu servo “dê a sua alma como oferta pelo pecado” (53.10), que “leve sobre si o pecado” e “interceda pelos transgressores” (53.12). O justo “justifica” outros.
Quando Deus diz a Abraão que se houvesse dez justos em Sodoma e Gomorra elas não seriam destruídas (Gênesis 18.32), isso significa que a tsevaá, o “serviço coletivo” desses dez justos, afetaria a forma como a iniquidade e o pecado do povo destas cidades seriam tratados. No tempo do exílio, os israelitas começaram a adotar o costume de considerar que o serviço religioso só começa quando houver dez pessoas presentes. Pode ser que isso tenha virado um formalismo. Mas isso não encobre a profunda percepção espiritual que há por trás. Cada serviço religioso é uma tsevaá, um “serviço coletivo” do povo de Deus ao Senhor de todos os seres (tsevaôt), a humanidade e toda a criação.
“Uma voz clama: Preparem no deserto o caminho do Senhor! Abram no ermo uma avenida para o nosso Deus!” (Isaías 40.3). Perdoado e purificado, o povo de Deus será agora levado de volta à sua terra. “E a glória do Senhor se manifestará”, e “toda carne”, todos os seres dotados de corpos, o verão (40.5). Os textos bíblicos sabem do fugaz e transitório de toda carne (40.6), e os israelitas acabam de redescobrir isso na experiência do sofrimento e do exílio. A grama e a relva secam “quando o Espírito do Senhor sopra sobre elas” (40.7). E os humanos, diz a voz que ressoa, são “como a grama”. “A grama seca, a relva murcha, mas a Palavra do nosso Deus permanece para sempre” (40.8).
Os humanos são “carne”, grama que seca. Mas a Palavra de Deus “permanece”, “continua firme”. A visão do vale de ossos secos, de Ezequiel (37.1-14), trata do mesmo tema, na mesma época. “Ossos secos, ouçam a palavra do Senhor” (Ezequiel 37.4). E o Senhor da Palavra faz soprar sobre os ossos o Espírito, e eles revivem. O Espírito que seca a grama ao soprar sobre ela (Isaías 40.7), é o Espírito criador, o Espírito da vida. No momento certo ele dá nova vida à grama seca, aos ossos secos. Os humanos são “carne”. Mas é através destes humanos “de carne”, revestidos pelo Espírito de Deus, que a glória do Senhor se manifestará no caminho aberto no deserto, e será vista “por toda carne”.
Dia 79 – Ano 2