A narrativa bíblica se compraz em rememorar o passado. Aos cativos na Babilônia, Deus promete libertação. O Deus “que abriu um caminho no mar, uma estrada em meio a águas impetuosas” (Isaías 43.16), “que fez sair carros com cavalos, um poderoso exército. Ali jazem juntos, não mais se levantarão. Se extinguiram, como toco de vela que se apaga” (43.17). A referência é à libertação de um outro cativeiro no passado, quando os israelitas tinham sido escravizados no Egito. O Deus de quem esperamos livramento no presente, é o Deus que tem nos livrado no passado. Aqui a rememoração do passado é salutar, é libertadora, renova as forças e a esperança.
“Não fiquem lembrando as coisas passadas, não fiquem remoendo as coisas que ficaram para trás” (43.18). Aqui a rememoração do passado não seria salutar nem libertadora, traria desânimo e desespero. O que distingue as duas é o modo como percebemos “a coisa nova” que Deus está anunciando (43.19) e que está brotando em nosso presente. Por ela o nosso passado é coberto pela graça e pelo perdão, de modo que o nosso presente seja marcado pela expectativa de um futuro aberto pela mesma graça divina.
“Mas não tens apelado a mim, Jacó! Te cansaste de mim, Israel!” (43.22). O desânimo e a depressão podem ter levado o povo de Deus, aos poucos, a se resignar diante da crise, a uma sensação de ter sido abandonado por Deus. A crise foi causada pela constante rebeldia de Israel. Israel muitas vezes parecia confiar mais em ouro e prata, em poderio militar, do que em Deus, não percebendo que esses é que podem se tornar os maiores ídolos (Isaías 2.7-8). Por um bom tempo Deus já havia “escondido o Seu rosto da casa de Jacó” (Isaías 8.17). Mas em sua prosperidade material, Israel parece nem ter se dado conta disso. Agora, em meio à crise, o povo tem a sensação de que Deus escondeu Seu rosto.
Israel está cansado de Deus! Não está cansado de tanto apelar para Deus, buscá-Lo com desprendimento, com sacrifícios, oferecendo-lhe o melhor que possuem, demonstrando a Ele a disposição de admitir os erros e apelar para o Seu perdão (43.22-24). Na verdade, continuaram eles cansando a Deus com seus pecados e iniquidades (43.24). Quem está apelando é o Senhor, que os convoca ao tribunal de justiça. As atitudes do povo de Deus Lhe despertam a memória. Sempre tem sido assim! (43.26-27). É por isso que Deus os entregou à desonra e à destruição (43.28).
É nesse contexto que Deus anuncia a Sua “coisa nova”. “Eu, Eu sou Aquele que apaga as tuas transgressões, por Mim mesmo, e que não mais trago à memória os teus pecados” (43.25). “Por Mim mesmo”. Como parte dos Seus insondáveis mistérios, à luz dos quais faz sentido não ficar remoendo o passado. A não ser que seja justamente para celebrar o mistério do amor de Deus.
Dia 93 – Ano 2