Ao oriente, ao ocidente, ao norte e ao sul, Deus conclama a que Lhe tragam, “dos confins da terra”, Seus filhos e filhas, “todos que são chamados pelo meu nome, todos que criei como expressão da minha glória” (43.5-7). “Façam sair o povo cego que tem olhos, o povo surdo que tem ouvidos” (43.8). É importante que percebamos nesses textos as alternâncias de perspectiva. As apreciações, as declarações de amor, são parte do que os textos querem transmitir. E também os alertas, as repreensões, as denúncias.
Israel é um “povo cego que tem olhos”, tem olhos mas não enxerga. Isso tem sido uma tônica no Livro de Isaías, desde o começo. Sua missão como profeta seria fazer com que o povo “ouça, mas não entenda; veja, mas não compreenda” (Isaías 6.9). “Torna insensível o coração deste povo, tapa-lhe os ouvidos, fecha-lhes os olhos; para que ele não veja com os olhos, não ouça com os ouvidos, não entenda em seu coração. Para que ele volte, e seja curado!” (Isaías 6.10). Aos poucos vamos compreendendo essa palavra um tanto enigmática que Deus deu a Isaías quando o chamou para ser profeta.
Parte do seu esforço deveria se concentrar em ajudar o povo a perceber a insensatez dos caminhos que ele tem escolhido. Para isso é preciso torná-lo insensível aos fatores que levam a tais caminhos. É preciso tapar os ouvidos, é preciso fechar os olhos, para que deixem de dar ouvidos à falsidade, para que deixem de ser seduzidos pela ilusão. O profeta deve ajudar o povo a não ver com os olhos, a não ouvir com os ouvidos, a mudar o entendimento do seu coração. A relação do povo com a realidade deve ser radicalmente transformada. Esse é o significado de “voltar”, dar meia volta. Só assim o povo será curado. Este é o objetivo último da missão do profeta. Mas o processo de cura pode ser bastante doloroso.
Ser escolhido, amado, agraciado, precioso, é parte da realidade do povo. É sua realidade no coração de Deus. É sua realidade na fé, na fé que é concretização da esperança. A alternância que estamos percebendo nesses textos tem a ver com alternância de olhares. Às vezes a perspectiva é a da realidade visível, às vezes é a da esperança. Antigamente se falava em dois jeitos de ver as coisas: in re (a realidade visível) e in spe (a esperança). A realidade visível ainda é a de “um povo que tem olhos mas é cego, um povo que tem ouvidos mas é surdo”. A esperança é a de um povo curado, um povo que aprende a ser e se enxergar como ele de fato é na perspectiva divina. Fé é viver na realidade visível o que já é realidade no coração de Deus.
Dia 91 – Ano 2