Isaías 5.25-30 nos coloca no cenário geopolítico de Israel na época. Serão séculos conturbados, e não menos para o povo de Deus. A razão é posta sem rodeios: “Porque rejeitaram a Instrução do Senhor de todos os seres, desprezaram a Palavra do Santo de Israel” (Isaías 5.24), justamente os antídotos para os graves processos de perversão espiritual, mental e social que se instalaram nas entranhas de Israel.
“Por isso, o Senhor está tão indignado com o Seu povo” (5.25), explica o profeta. Indignação tamanha, por parte do Deus de Israel e Senhor do universo, precisa ser compreendida, se não quisermos embrenhar por caminhos de interpretação não saudáveis. A Bíblia celebra com grande reverência o Deus “cujo amor enche a terra toda” (Salmos 33.5). O Deus “cuja bondade dura para sempre” (Salmos 52.1). O amor e a bondade divina permeiam a criação inteira. Amor e verdade precedem a criação e tudo que nela ocorre (Salmos 89.14). E é por isso que os fundamentos do universo são “a justiça e o direito” (Salmos 89.14). Justiça e direito são expressões do amor e da bondade divina no cuidado com a criação. O amor à criação requer uma firme oposição a tudo que a ameaça.
A indignação divina anunciada em Isaías 5.25 vai se expressar em ações históricas concretas inclusive contra o próprio povo de Deus. Mas ela é acompanhada por providências para que o mal não transborde. E para que o povo de Deus possa ser alertado e sempre de novo reconduzido ao caminho da Instrução, ao caminho da Palavra, ao caminho do amor e da bondade. Para isso Deus chama profetas. Para isso, aqui no contexto específico do Livro de Isaías, Deus chama Isaías para ser Seu mensageiro, receptor, canal, portador da Palavra em meio aos tempos conturbados aqui relatados.
Só agora, em Isaías 6, temos um relato do chamado profético de Isaías. E agora de fato ele se encaixa bem na narrativa. “Vi o Senhor sentado num trono alto e majestoso. As pontas de suas vestes enchiam o templo” (6.1), e serafins louvando: “Santo, Santo, Santo é o Senhor de todos os seres, Sua glória enche toda a terra” (6.3). Isso aconteceu “no ano da morte do rei Uzias”, o primeiro dos reis mencionados em Isaías 1.1 como sendo o período de atuação de Isaías como profeta. Serafins são os anjos “da presença”, uma espécie de guarda pessoal do Rei de toda a terra.
A primeira reação de Isaías foi de pequenez e impureza. “Ai de mim!” (6.5). A impureza se concentra nos lábios, o que é compreensível num chamamento para ser profeta. Mas há uma impureza na comunicação verbal que envolve todo o povo, e pode ter a ver com a denúncia de “chamar o bem de mal, e o mal de bem, de apresentar a luz como escuridão e a escuridão como luz” (5.20). Um dos serafins toca os lábios de Isaías com uma brasa tirada do altar, num rito de purificação (6.6-7). Então ouviu-se a voz do Senhor, que em meio a Sua corte celeste pergunta: “A quem enviarei? Quem irá por nós?” (6.8). “Aqui estou, envia-me”, responde Isaías. Então vem o comissionamento para a missão profética: “Vai, e fala a esse povo…” (6.9). O conteúdo da fala é difícil de compreender à primeira vista, parece desviar de nossas expectativas normais. “Ouçam, e não entendam. Vejam, e não compreendam”. A missão do profeta é tornar insensível o coração do povo, tornar pesado o ouvido, tapar os olhos, “para que não suceda que ele veja com seus olhos, ouça com seus ouvidos, e seu coração entenda e eles se convertam e sejam curados” (6.10). Esperaríamos o contrário. Mas talvez seja melhor não buscar uma solução apressada. Talvez justamente a nossa perplexidade nos anime a seguir acompanhando os passos e as palavras do novo profeta.
Dia 18 – Ano 2