“Não chamem de conspiração o que esse povo chama de conspiração. Não temam o que ele teme, sequer o considerem digno de temor”, diz o Senhor ao profeta e ao seu grupo (Isaías 8.12). Rumores vão insuflando o medo numa população que se vê ameaçada pelos poderes que a rodeiam. São recebidos e percebidos dentro de certos moldes interpretativos, nos quais vão se encaixando em narrativas correntes entre o povo.
Essas narrativas podem bem ter sido criadas intencionalmente, como foi o caso com o rei Jeroboão em Israel (1 Reis 12.25-33), que para se manter no poder deu legitimidade e nova vida a uma perspectiva religiosa que era comum entre os israelitas. E assim a Instrução vai sendo reinterpretada para se coadunar com perspectivas que, de alguma forma, falavam ao coração do povo e se ajustavam a ambições de dinheiro e poder, como vimos ao longo dos livros dos Reis. Os profetas, os verdadeiros profetas, chamam isso de “idolatria”. Mas havia profetas, e em bem maior número, que diziam ser portadores de mensagens e de interpretações que davam outros nomes às coisas, inclusive se apoiando em textos da Instrução. Com interpretações que tendiam a reforçar certos tipos de entendimento, como o de que Israel era o povo escolhido de Deus e isso excluía os outros povos, entendimentos que no fundo sacralizavam ambições mundanas do povo de Deus.
Este é o pano de fundo da profecia bíblica. Se ele parece excessivamente negativo, é só lembrar o que Isaías diz sobre o seu chamado para ser profeta (Isaías 6). O povo de Deus estava sendo desencaminhado, estava confundindo bem com mal, luz com trevas. Poucos percebiam que isso representava uma ameaça para a criação inteira, por erodir seus fundamentos. Para tentar reverter esse quadro e encaminhar o povo novamente para a Palavra e a Instrução, Deus chama profetas. Mas a própria vocação profética estava arriscada a essa erosão, por isso o aumento dos alertas sobre os falsos profetas (que, é claro, no seu próprio entender eram os verdadeiros profetas).
“Conspiração”é um nome adequado para certas situações, e não adequado para outras. Não sabemos bem o que “esse povo” estava chamando com esse nome, mas já fomos informados pelo profeta de uma tentativa de tomada do poder em Judá por parte da Síria e de Israel. É possível que ela contasse com apoios internos, de grupos que poderiam vir a se beneficiar com essa troca de poder. Os assírios e os egípcios também provavelmente estariam se movimentando para alcançar seus próprios intentos, contando com apoios internos. Espionagem, intrigas palacianas, ambições secretas, movimentos na surdina, eram o dia a dia nos governos da época.
A mensagem divina ao profeta provavelmente percebe como “conspiração” o movimento geral que leva o povo a abandonar a sua fé e sua confiança em Deus. E depositá-la em movimentos de caráter religioso ou político, talvez até com pretensões messiânicas. “O que eles temem, não temam, sequer o considerem digno de temor” (Isaías 8.12). O medo da população tinha a ver com a sua sobrevivência, e a sobrevivência de sua fé e suas crenças, por eles consideradas certas. Com isso, se tornavam facilmente manipuláveis pelas elites e suas ambições de riqueza e poder. Rumores de conspirações se espalhavam rapidamente e colocavam lenha na fogueira.
Mas entre o povo de Deus não é assim que deve ser. O verdadeiro objeto de temor em Israel é Deus, a quem todos devem santificar (8.13). Narrativas em conflito geravam insegurança e levavam as pessoas a temer e santificar o que achassem mais compatível com o que consideravam o certo. Um grande risco era o de que inclusive a palavra de Deus aos profetas fosse percebida como não mais que uma dessas narrativas. O profeta Jeremias foi muitas vezes acusado disso.
Dia 22 – Ano 2