O grande alerta que Isaías 8.16-20 faz soar é que o povo de Deus, desorientado, já não conhece bem o seu Deus. O povo foi sequestrado pelo palpável, pelo que enche os olhos e os ouvidos, pelo que se coaduna com as ambições de seu coração; e sua mente quer crer que é ali que Deus se manifesta. Nisso poderia estar o significado de Isaías 6.9-10.
A referência a gente que não verá o alvorecer, em Isaías 8.20, pode ter sugerido o que vem a seguir. Passarão pela terra, aparentemente arrasada, “estressados e famintos” (Isaías 8.21), e com o rosto para o alto amaldiçoarão o rei e Deus. “E olharão para a terra, e vejam: angústia, trevas como breu, aflição, densa escuridão” (8.22), um cenário quase apocalíptico.
Esse quadro desalentador é seguido por outro cheio de promessa. “Mas a terra aflita não terá trevas. No passado, a terra de Zebulom e a terra de Naftali foram desprezadas. Mas no futuro, será glorificado o caminho do mar de além do Jordão, a Galiléia dos povos” (8.23). “O povo que andava no escuro viu uma grande luz. Uma luz brilhou sobre os que viviam na região das sombras da morte” (9.1). O presente desalentador é colocado no espelho de seu passado insignificante, e de seu futuro brilhante. A referência à Galiléia fica um pouco no ar, o que fica claro é que é nesse recanto da terra que a luz brilhará.
Isaías 9.3-7 muda de cenário. Os verbos nos situam num presente cujo passado sofreu uma transformação. “Multiplicaste o povo” (9.3), e o povo agora tem alegria. Um tempo de dura opressão agora é passado (9.4), e ele tem a ver com guerras sangrentas (9.5). O grande fator de transformação é assim descrito: “Pois uma criança nos nasceu, um menino nos foi dado. Ele terá autoridade sobre os seus ombros. Seu nome será Conselheiro Admirável, Deus Forte, Pai Eterno, Governante Pacífico” (9.5). A referência ao menino parece conectada a Isaías 7.14, o sinal de Deus para o rei Acaz: “e dará à luz um filho, e seu nome será Deus Conosco (Emanuel)”. Lá ele era promessa, aqui ele é realidade, cumprimento da promessa.
O menino é herdeiro do trono de Davi (9.6), que ele tornará firme para sempre, sobre o fundamento do direito e da justiça, com paz sem fim. Perspectivas amplas, de longo alcance. Em meio ao momento conturbado e “apertado” que o povo está passando, e às previsões de um futuro imediato bastante sombrio, uma promessa dessas realmente brilha como luz. Num momento em que pressões externas talvez exacerbem em Judá e Jerusalém um populismo nacionalista, é importante atentar para a linguagem aqui usada. “O povo” (ám) que andava no escuro (9.2) são os moradores de Judá e Jerusalém. A luz brilha na Galiléia “dos povos” (goiím). Finalmente temos um “povo” (gôi) multiplicado, sobre o qual reina o menino que nasce, o Governante Pacífico, que traz a todos “paz sem fim”. O trecho termina com uma nota que deixa claro que não se trata de simples utopia: “O zelo do Senhor de todos os seres fará isso” (9.7).
Dia 24 – Ano 2