O fim do capítulo anterior anuncia o nascimento de Sansão e depois, telescopicamente, o vemos já adulto (“o menino cresceu”, Juízes 13.24). Duas características ligadas a ele são mencionadas. Primeiro, “o Senhor o abençoou” (13.24). A segunda característica (13.25) é de difícil tradução. “E o Espírito do Senhor começou a incitá-lo”. Os verbos usados dão a entender que o Espírito se movia dentro dele, com movimentos pulsionais de sua constituição psíquica e corporal. O restante da história vai relacionar isso também com os cabelos nunca cortados, que representam uma condição sagrada.
Não é por acaso que a primeira coisa que a narrativa conta depois disso, é que Sansão se sentiu sexualmente atraído por uma mulher (Juízes 14.1). E é essa força libidinal que, finalmente, se mostrará como o seu ponto fraco. Para nós fica a pergunta, porque é dito que o Espírito está na origem desses movimentos corporais, hormonais. Talvez haja aqui algumas lições profundas sobre Deus e sobre nós mesmos.
A narrativa faz questão de indicar essa relação entre o Espírito de Deus e Sansão. No v.4, por exemplo, a insistência dos pais em que se procurasse uma mulher israelita para ele, o que seria o normal, é acompanhada por uma observação de que eles não sabiam que isto “vinha do Senhor”. Depois, o Espírito toma conta dele e ele, com força descomunal, mata um leão com as mãos (v.6). No v.19, algo parecido, só que dessa vez o Espírito o impele a matar trinta homens que nada tinham a ver com a história.
Melhor do que tentar responder apressadamente a essas perguntas que ficam para nós, é escutar atentamente, tentar entender o que a narrativa quer que entendamos. E fazer como o patriarca Jacó, que diante do enigmático relato dos sonhos de José não reagiu escandalizado, como os irmãos de José, mas “ficou considerando consigo mesmo” o que poderia estar se passando (Gênesis 37.11). Como Maria, que, observando o movimento inusitado causado pelo nascimento de seu filho e o que as pessoas diziam, “guardava todas essas palavras, meditando-as no coração” (Lucas 2.19).
Dia 219 – Ano 1