No final do livro de Números são repassados dois assuntos importantes, que têm a ver com a terra e sua distribuição. O primeiro foi o das cidades dos levitas e das cidades de refúgio (capítulo 35). O segundo encontramos aqui no capítulo 36. Trata-se da questão da herança das filhas de Zelofeade, um assunto já tratado no capítulo 27.
A discussão no texto bíblico, em Números 36, tenta juntar duas preocupações importantes, de modo que uma não fira a outra. Uma é o direito das mulheres à herança. A outra é o caráter inalienável da propriedade da terra. A terra, como os textos bíblicos não cansam de repetir, pertence a Deus (Salmo 24.1). Deus cede um lote para cada família, para que tenha onde morar e de onde tirar seu sustento. Este é o princípio maior da reflexão sobre a propriedade da terra que encontramos nestes capítulos finais de Números. E devemos sempre estar lembrados do caráter de experiência-modelo que tem essa narrativa e o que ela narra. Ambas fazem parte de um processo maior, o da reconciliação do mundo, que nelas vai se desdobrando.
No caso das filhas de Zelofeade, o princípio posto em prática implica em que elas se casem com homens de sua própria tribo, para que a terra dada a uma tribo não passe para outra (Números 36.3-4). Futuramente isto acontecerá muitas vezes, como ainda veremos. E isso foi duramente denunciado por Deus através dos profetas (um exemplo temos em Isaías 5.8).
A questão dos direitos das mulheres, aqui, tem dois lados. Depende de nós, em última análise, qual vamos destacar mais. Por um lado, há o claro caráter patriarcal da sociedade israelita da época. Nela, a mulher fazia parte dos bens de um homem e sempre devia estar submissa a um homem. Por outro lado, é surpreendente como, sempre de novo, mulheres têm uma atuação importante nos afazeres do povo, bem como um espaço de exercício de influência. O fato de que o quarto livro da Torá, ou Pentateuco, termine com uma discussão sobre o direito de mulheres à herança, não deixa de ser significativo.
Dia 151 – Ano 1