Êxodo 32

Êxodo 32

Enquanto lá no alto do monte éramos elevados ao sublime da esperança de um mundo reconciliado, aqui em baixo as coisas caminhavam em outra direção. Aqui opera outra lógica. Fácil dizer que é a lógica do “povo pecador”. Se pensarmos melhor, perceberemos que é a lógica com que também nós, no dia a dia, tocamos a nossa vida. O que sugere que é de nós (também) que essa história fala.

Desde a saída do Egito, uma questão perpassa a narrativa, subterraneamente. O problema, aparentemente, não era que o povo não acreditasse na existência do Senhor, e sim que Ele fosse o Deus único. As murmurações, cada vez que alguma coisa saía errado, revelam um constante trotear entre desejos e entre deuses. O cântico de Moisés insistia: “este é o meu Deus” (Êxodo 15.2); “quem é como Tu entre os deuses” (15.11). Moisés insistia: “vocês saberão que foi o Senhor que tirou vocês da terra do Egito” (16.6). Massá e Meribá ficaram famosos (cf. o Salmo 95) porque ali a questão se colocou com toda a agudeza: à meia boca, o povo se perguntava: “está o Senhor entre nós, ou não?” (Êxodo 17.7). Esta pergunta revelava o quanto o povo era preso à “realidade”, o quanto ele tinha dificuldade de deixar seu pensamento mudar.

Nas primeiras palavras das duas tábuas que deu a Moisés no alto do monte, Deus insiste: “Eu sou o Senhor, teu Deus, que te tirei da terra do Egito” (Êxodo 20.2). Como Moisés “tardava em descer do monte” (Êxodo 32.1), a realidade se impõe: vamos fazer umas imagens dos nossos deuses lá do Egito, para que eles nos guiem. Afinal, agora está claro que foram eles que nos libertaram e guiaram (32.4). O restante do capítulo mostra Moisés intercedendo pelo povo, depois que o Senhor, irado, lhe contara o que estava acontecendo lá em baixo (32.7-14). Quando ele viu com seus próprios olhos, foi a sua vez de se irar (32.19-29). Mas no fim ele intercede de novo (32.30-35).

Dia 85 – Ano 1

Êxodo 12.29 — 13.22

Êxodo 12.29 — 13.22

No trecho anterior falamos do pesar de Deus com a situação no Egito. O relato da última praga se desenvolve de modo rápido, como que querendo que isso tudo passe de uma vez. Um versículo a resume (12.29). Mais um é dedicado, respeitosamente, à dor dos egípcios (12.30). O resto será dedicado à saída dos israelitas do Egito. Foi a recusa do faraó de permitir esta saída que causou toda a destruição e morte de que temos lido.

A notícia tão esperada ressoa, finalmente, em 12.37: “E os filhos de Israel partiram”. Êxodo 12.40-41 situa o tempo passado no Egito no contexto da história maior: foram 430 anos de retardamento da realização da promessa divina. Mas um tempo que não ficou de fora do processo pedagógico de Deus com este povo que Ele havia escolhido para levar Sua bênção a todos os povos. Aquela “noite do Senhor” (12.42) é, mais uma vez, relacionada ao rito da páscoa, pelo qual seria sempre lembrada (12.42-51). E em seguida é relacionada a outro rito que acompanhará os israelitas em sua história: a dedicação dos primogênitos (13.1-16). O fato de os primogênitos dos israelitas terem sido poupados naquela noite, significa que eles pertencem a Deus (13.15).

A parte final (13.17-22) deste trecho introduz um tema que nos acompanhará na sequência da narrativa: Deus guiando o povo em seus caminhos pelo deserto. Êxodo 13.17 revela algo do cuidado de Deus por Suas criaturas. Em relação ao faraó, se diz: “tendo o faraó deixado o povo ir”. Deus respeita a iniciativa das pessoas e conta com ela. Em relação aos israelitas, Ele leva em conta que, indo pela rota normal, eles poderiam ficar abalados com uma eventual guerra. E assim os encaminha para uma rota alternativa, mais longa. Os v.21-22 resumem: Deus guiando Seu povo dia e noite.

Dia 66 – Ano 1

Gênesis 11

Gênesis 11

Gênesis 11.1-9 conta uma pequena história sobre os descendentes dos filhos de Noé. A humanidade se encontrava espalhada “ao leste do Éden”. Do leste (11.2) ela vem e se reúne numa planície, onde começa a construir uma cidade com uma torre (possivelmente um templo em forma de escadaria) que “chegue até os céus” (11.4). Deus reage fazendo com que as pessoas não mais consigam entender-se (até então “só havia uma linguagem”, 11.1). E assim os povos se dispersam “pela superfície da terra” (11.8).

O problema nessa história não é que a humanidade queira voltar ao  céu, ao paraíso. A lembrança de pertencer a um mundo diferente a faz buscar caminhos de volta. Deus se sensibiliza com isso. Também Ele quer que todo mundo volte ao lar. A questão é o jeito como. Construir uma escadaria da terra para o céu, não é o caminho, embora sempre de novo a humanidade tente fazer isso, das mais diversas formas.

O jeito de Deus realizar isso começa a ser mostrado agora. E começa a ser mostrado através de mais uma lista de pessoas! Gênesis 11.10-26 repete a lista da descendência de Sem. Ela vai se afunilando até chegar a um homem chamado Terá (11.26). Em 11.27, começa então a “história da descendência de Terá”. Um dos seus filhos, Abrão, com a mulher e um sobrinho, acompanha Terá como retirante. De Ur, na Babilônia, eles queriam emigrar para a terra de Canaã. Mas só foram até Harã, onde moraram até a morte de Terá.

E assim o palco está preparado para uma das histórias mais impressionantes que já se ouviram. Por trás dela, a mão de Deus vai guiando pessoas para que Seu plano de uma humanidade reconciliada se realize.

Dia 20 – Ano 1

Gênesis 4

Gênesis 4

Neste capítulo o cenário é diferente do que o que vimos nos três primeiros capítulos de Gênesis. É o mesmo cenário no qual vivemos hoje. Começa o drama da vida humana longe de Deus. Os temas são: família, filhos, religião, violência, segurança, trabalho, progresso, tudo numa mistura bastante instável. Ou seja, é a vida nossa de cada dia.

Mas outro tema percorre o capítulo, sem ser propriamente tematizado. Deus não ficou lá no jardim. Quando o ser humano foi separado de Deus, isso não quer dizer que Deus também tenha se separado de nós. Este capítulo mostra o contrário. Ele ajuda Eva a ter seu filho (4.1), reage aos gestos religiosos (4.4), conversa com Caim (4.6-7, 4.9-15).

Um novo passo aprofunda ainda mais o fosso entre o ser humano e Deus. No fim do capítulo anterior (3:23) Deus havia expulsado o casal humano de seu jardim. Agora, o filho do casal, Caim, se retira da presença de Deus (4:16). Mas não sem o sinal da graça de Deus (4.15)!

Os v.16 e 17 são centrais para a narrativa bíblica. O ser humano que se afasta de Deus (4.16) não fica parado. Ele faz a vida recomeçar (4.17). Gera um filho. Constrói uma cidade. Dá aos dois o mesmo nome: Enoque (que significa “começo”, “inauguração”). E assim, o “princípio” (Gênesis 1.1) vai sendo esquecido, e tudo que se sabe é que o mundo e a história teriam começado em “Enoque”, quando o ser humano começou a fazer história por si próprio. 4.18-24 conta os começos desta “história da civilização”.

Mas 4.25-26 mostra um outro lado. Na vida que continua, o nome de Deus não é esquecido. Sua presença leva sempre de novo ao reconhecimento desta presença e a invocação do Seu nome.

Dia 13 – Ano 1

Gênesis 3.20-24

Gênesis 3.20-24

O ser humano revela a suscetibilidade de desejar ser “igual a Deus”: dono do Jardim, submetendo-o aos seus propósitos e não aos de Deus. A distância do Criador que com isso se cria é dolorosamente expressa em Gênesis 3.8-9. O ser humano agora se esconde da presença de Deus, que mesmo sabendo disso continua a procurá-lo: “Onde estás?”

Gênesis 3.22 mostra o Criador em diálogo com os seres espirituais à sua volta. “O ser humano se tornou como um de nós, conhecedor do bem e do mal”, constata. Para impedir que os humanos se perpetuassem nessa condição e submetessem o Jardim aos seus propósitos agora revelados como potencialmente distintos dos do Criador, eles são mandados embora. O Jardim do Éden agora lhes fica inacessível, fortemente protegido.

O texto bíblico mostra claramente as consequências do gesto humano de ultrapassar o limite divino. Elas atingem a própria constituição do ser humano. A corporalidade transparente agora lhes causa vergonha, porque nada esconde. Mas agora, subitamente, os humanos querem se esconder. Dos outros, de Deus, de si próprios. Assim, num gesto de solidariedade, o Criador lhes reveste a corporalidade luminosa com uma nova. “E o Senhor Deus fez para o homem e sua mulher mantos de pele, e o revestiu” (Gênesis 3.21). “Mantos de pele” é cotnôt ôr, que faz um jogo de palavras entre “pele” e “luz”. A luz própria da corporalidade humana é revestida de “pele”, que significa aqui o corpo químico-físico carnal que temos hoje, apropriado para a existência fora do Jardim, “ao leste do Éden”, que os humanos terão na narrativa bíblica a partir de agora.

Dia 12 – Ano 1