Levítico 10

Levítico 10

Levítico 10 mostra o outro lado do momento importante registrado em Levítico 9. Ali vimos como, a partir de então, é o próprio ser humano que presidirá as relações religiosas (no caso, Arão, o sumo-sacerdote). Agora estamos vendo como isso pode ser perigoso. Dois dos filhos de Arão trouxeram diante de Deus um “fogo estranho” (Levítico 10.1). Não fizeram como Deus tinha dito, acharam que isso não importava tanto, que podiam fazer do seu jeito; ou, quem sabe, que eles até sabiam um jeito de fazer melhor!

O resultado foi que saiu um fogo “de diante do Senhor” (10.2) e os queimou e eles morreram, como havia sido alertado em Levítico 8.35. A santidade divina aparece aqui como uma substância inflamável, que pega fogo quando qualquer coisa “impura” ou pecaminosa se aproxima dela. 

A questão de fundo aqui é a da morte que se espalha com o pecado, e da vida em Deus que destrói essa morte. Por mais cruel que essa pequena história nos pareça, o que está em jogo aqui é a própria esperança da reconciliação do mundo. Há um espaço neste mundo que foi conquistado pela vida: é a Tenda, a Morada onde Deus acampa com Seu povo. Se a morte voltar a reinar nesse espaço, tudo estará perdido, pois então a morte venceu a vida.

A reconciliação divina quer chegar à alma do ser humano e de toda a criação, ao centro pessoal de onde emanam as intenções, os desejos. É ali que o pecado se instalou, é ali que a morte se instalou. E é ali que eles têm que ser alcançados e destruídos. Mas se chega ali partindo da existência real e concreta, dos corpos no coração dos quais se encontra esse centro pessoal, e dos ritos e atividades diárias destes corpos. E são estes corpos que precisam aprender a cooperar com Deus nessa caminhada. Aprender que cooperar com Deus é cooperar consigo mesmo, com a sociedade humana e com a natureza. Deus joga no nosso time! Nós é que jogamos contra Ele, por acreditar que Ele joga contra nós.

Dia 99 – Ano 1

Levítico 8

Levítico 8

Os primeiros 7 capítulos de Levítico trazem orientações detalhadas sobre sacrifícios e oferendas de vários tipos. Como vimos, trata-se de um costume religioso que Deus respeita e ao qual se adapta, mas reconfigurando-o em aspectos importantes. Estas reconfigurações são como ângulos, cujos vértices ou pontas representam uma virada, uma conversão. Aos poucos, então, uma coisa nova vai surgindo. Assim funciona a pedagogia divina. Geralmente Deus não tira uma coisa, deixando o lugar vazio (cf. a advertência sobre isso em Mateus 12.43-45), mas opta por ir gradualmente e amorosamente transformando a partir da raiz.

Concluída essa primeira rodada de instruções para as relações religiosas, vem agora a consagração dos sacerdotes que irão oficiá-las. Os capítulos 8 a 10 de Levítico mostram uma cuidadosa “transmissão de comando”. Os primeiros passos do ritual de consagração são presididos por Moisés (Levítico 8). Na presença de todo o povo (8.3-5), ele intermedia a ação de Deus: lava os escolhidos para o sacerdócio (8.6), e veste Arão com as vestes sacerdotais (8.7-9). Depois, consagra o altar e tudo que faz parte dos ritos que se farão sobre ele (8.10-11). Aí, consagra Arão e seus filhos para o sacerdócio (8.12-13). A consagração é feita através de unção com óleo especialmente manipulado para essa ocasião. Então vem os sacrifícios que purificarão tudo que está envolvido nos ritos (8.14-25) e oferendas (8.26-29). Finalmente temos o rito de passagem para o início das funções sacerdotais (8.30-36).

Ao lermos e estudarmos tudo isso, é importante distinguir dois pontos de vista. O de Deus, que preside e está por trás de tudo, e o dos humanos que presidem e/ou participam de tudo. O que se enxerga e o que se pretende, pode ser bastante diferente. Deus olha longe. Tudo isso é meio pedagógico para que o povo possa, lá adiante, compreender e levar aos povos a reconciliação divina. Já o ponto de vista humano pode ser míope, lento, demorado para captar a perspectiva divina. E aí os ritos religiosos acabam sendo usados para tudo que é propósito, e às vezes só raramente refletem o coração amoroso de Deus.

Dia 97 – Ano 1

Levítico 6

Levítico 6

Um pequeno aspecto tem grande importância em Levítico 5. Em 5.11 diz que se alguém é pobre demais até para trazer duas rolinhas ou dois pombinhos para o sacrifício, pode trazer flor de farinha. Isto quer dizer que o sacrifício de um animal não é obrigatório para o perdão dos pecados.

Aqui temos que distinguir entre os meios e os fins. Os meios dependem de circunstâncias, e em relação a eles Deus mostra disposição a se adaptar. Pedagogicamente, Ele se coloca na nossa situação e, dali, aos poucos vai nos ajudando a aprender quais são os fins, os objetivos de tudo isso. Estes fins últimos são constantes na narrativa bíblica. Em relação a eles, vale o que é dito de Jesus em Hebreus 13.8: ele “é o mesmo, ontem e hoje, e o será para sempre”. 

Isso vale para todo o sistema sacrificial, e valerá também, mais adiante, para as formas de organização do povo de Deus. Importante, realmente, é o grande propósito em tudo isso: a reconciliação entre Deus e a humanidade, entre Deus e o mundo. E o jeito com que Deus quer que ela se realize: com a nossa parceria consciente e ativa. Os sacrifícios, portanto, são transitórios. Importantes numa fase do processo pedagógico divino. Mas não fazem parte dos fins de Deus para conosco. Quem hoje se mostra sensível à violência contra os animais, pode ter mais razão do que quem é indiferente a ela, ou até a pratica, alegando que a Bíblia a permite ou incentiva!

Levítico 6 trata de diversos tipos de pecados, de atitudes que cavam fossos que vão separando as pessoas de Deus, delas próprias, umas das outras e da natureza. São fossos espirituais, por isso a gente normalmente não os enxerga. Só enxerga os efeitos, tempo depois: eles introduzem o caos na boa criação divina. Mas Deus enxerga, e como o Cuidador da criação (que nós também somos chamados a ser, Gênesis 2.15), Ele toma providências. Com os meios disponíveis em nosso ambiente e em nossa consciência, as relações rompidas são restauradas ritualmente. Este é o fim maior dos ritos na Bíblia. Com isso em mente, podemos entender melhor os textos que estamos lendo.

Dia 95 – Ano 1

Levítico 4 — 5

Levítico 4 — 5

Estamos nos introduzindo, pouco a pouco, no processo de tentar entender o sistema sacrificial e o sistema de oferendas dos israelitas.

Os sacrifícios de animais eram de dois tipos. Num, o animal era queimado por inteiro (é o “holocausto”). Noutro, só partes eram queimadas, e o resto era comido pelos sacerdotes. O mesmo se aplicava às oferendas (como as de alimentos, Levítico 2). As oferendas tinham como objetivo o agradecimento, pagamento de um voto, etc. O holocausto tinha como objetivo fazer “expiação” (Levítico 1.4), remover os pecados e tornar as pessoas “aceitas” por Deus (1.3). 

A santidade divina é “fogo consumidor”. O pecado é destruído em Sua presença. Assim, para evitar que as pessoas sejam mortas, um animal ao qual se transfere o pecado (Levítico 1.4) é queimado. O sangue espargido é a vida que se esvai, propiciando que outra vida seja preservada. A parte das oferendas que não é queimada, é consagrada a Deus e comida pelos sacerdotes (Levítico 2.3,10).

Levítico 4 — 5 é dedicado a instruções sobre o que fazer em relação aos chamados “pecados por ignorância”. São infrações involuntárias, mas, mesmo assim, infrações. O trecho trata dessas infrações, cometidas por quatro grupos: os sacerdotes (4.1-12), o povo (4.13-21), os líderes (4.22-26), qualquer indivíduo (4.27-35 e todo o capítulo 5). Em 5.17-19 temos um tipo de resumo.

Chama a atenção o conceito de pecados “do povo”. Várias histórias do Antigo Testamento vão mostrar como pessoas podem fazer coisas que trazem culpa sobre o povo todo. Nós hoje gostamos de pensar que isso não é mais assim, que só se pode falar de culpa em relação aos indivíduos. Mas as grandes injustiças sociais do nosso tempo, muitas vezes não são atribuíveis a crimes individuais. A sociedade toda, à medida em que permite a injustiça, é culpada. Os textos bíblicos nos ajudam a lembrar disso.

Dia 94 – Ano 1

Levítico 2 — 3

Levítico 2 — 3

A leitura de Levítico 1 pode ter deixado algumas pessoas indignadas. O capítulo trata de violência em relação a animais. É a questão dos “holocaustos”, o nome que o texto bíblico dá aos sacrifícios de animais quando inteiramente queimados. Violência sancionada pelo próprio Deus, que aparentemente tinha prazer nela (cf. a repetição da frase “aroma agradável ao Senhor”, Levítico 1.9,13,17). Quem lê a Bíblia hoje, e justamente quem procura lê-la no espírito que a anima, de amor e reconciliação, não pode deixar de se confrontar com estas questões. Como conciliar amor e reconciliação com violência, aparentemente ordenada pelo próprio Deus? Esta é uma questão das mais importantes, se queremos compreender o papel do livro de Levítico na história bíblica.

Tentemos escutar com atenção o que dizem os textos. Eles começam com frases parecidas: “Quando alguém trouxer oferenda ao Senhor…” (Levítico 1.2; 2.1; 3.1). Trazer oferendas à divindade era muito comum nas religiões antigas. Quando os israelitas aderiram ao Senhor, no Egito, suas oferendas passaram a ser feitas a Ele (mesmo com recaídas, como a história do bezerro de ouro). Num primeiro momento, Deus se adapta a isso. Faz parte de Sua pedagogia.

Mas esta adaptação já introduz sutis mudanças, que dão uma nova direção a todo o sistema sacrificial. É como o desenho de um ângulo. A ponta do ângulo junta duas linhas, que depois vão se afastando à medida em que o ângulo vai se abrindo. Assim é com a conversão que está se dando nos israelitas. A linha vinha numa direção, agora chega na ponta e começa a ir na direção contrária. No começo quase não dá para ver diferença!

Dia 93 – Ano 1

Gênesis 22 — 23

Gênesis 22 — 23

Um furacão interrompe, subitamente, o sossego de Abraão. No capítulo anterior ele havia “perdido” seu filho Ismael. Agora, uma coisa absolutamente sem explicação acontece. Deus pede a Abraão, em sacrifício, o filho que havia restado, Isaque (v.2: “teu filho, teu único filho”).

Difícil imaginar o que foi o resto daquela noite para Abraão. De manhã ele levanta, arruma tudo “e vai” (v.3), caminho de três dias. Três longos dias, em que Abraão deve ter morrido cem vezes. No fim de uma vida que ele dedicou ao chamado e à promessa divina, tudo se reduz a nada. Sem Isaque, tudo acaba. Entre entender e obedecer, ele obedece. No último momento, Deus intervém e salva o menino, e congratula Abraão. Aí se esclarece que se tratava de colocar a fé de Abraão à prova (v.1), para ver se ela era um lastro suficientemente forte para tudo que Deus queria construir em cima. Nos v.17-18, Deus renova a bênção a Abraão.

Depois deste episódio, Abraão recebe notícias (22.20-24) de que também seus familiares foram agraciados por Deus com descendentes. Esta pequena nota já vai preparando caminho para histórias que vêm a seguir, em que o filho e depois o neto de Abraão, retomam os laços com sua família de origem.

Gênesis 23 nos fala da morte de Sara e da negociação para a compra de um lote de terra para enterrá-la. Sua importância na narrativa do Gênesis é que este pequeno lote é tudo que Abraão possui, ao fim de sua vida, da terra que Deus lhe prometera. Quase nada, em comparação com o tamanho do que fora prometido. Mas já alguma coisa, um chão firme para fortalecer a fé.

Dia 31 – Ano 1