Levítico 21 — 22

Levítico 21 — 22

Os israelitas estão passando por um lento e complicado processo de aprender a “ser santos” (Levítico 20.26), pois santo é o Deus que vai com eles. Levítico 21 — 22 trata da santidade dos sacerdotes, os consagrados para intermediar a santidade divina ao povo.

Às vezes é difícil perceber a lógica por trás das prescrições. Aqui há uma preocupação que perpassa o texto: evitar a contaminação. O mundo fora da Tenda é contaminado. Estando no meio dele, a Tenda se arrisca a ser contaminada, como vimos em relação a Levítico 16. A “contaminação” aqui é a do pecado, essa força que vai cavando fossos que separam tudo de tudo. A ela se contrapõe a força do amor, que nesse momento da narrativa está localizada no interior da Tenda. Dela emana restauração e reconciliação.

Há aqui, mais uma vez, um duplo movimento. O primeiro é impedir que os fossos que isolam e matam, venham a engolir a própria Tenda. Isso se consegue isolando os “focos de contaminação” e colocando barreiras à sua irradiação. O segundo, é aproveitar o isolamento assim conseguido para educar as pessoas e torná-las receptivas ao projeto divino de reconciliação universal.

O objetivo maior é que, um dia, todas essas barreiras caiam, porque a força do amor suplantou a do pecado. O mundo, então, deixará de ser fonte de contaminação, para voltar a ser o paraíso que Deus criou para as Suas criaturas. Mas este objetivo não será conseguido por gestos arbitrários e autoritários de Deus, o que resultaria disso não seria um paraíso. A alternativa é o longo e difícil percurso de uma caminhada conjunta. Nela, aprender a fazer distinções, a separar, é na verdade um exercício de reconhecer distinções e separações indevidamente feitas pelo pecado, com o objetivo final de superá-las na força do amor.

Dia 110 – Ano 1

Levítico 20

Levítico 20

Levítico 20 contém leis diversas, enunciadas quase sempre segundo um mesmo esquema: “se alguém fizer isso ou aquilo, será punido”. A punição é quase sempre com a morte. O enunciado varia: “será morto”, “o seu sangue cairá sobre ele”, “será eliminado”. Se considerarmos os crimes aqui alistados com critérios de hoje, tenderemos a achar os julgamentos excessivamente severos.

Em primeiro lugar, temos que levar em conta que o que está em vista é a integridade do tecido social. Ele se constrói de formas diferentes em diferentes épocas, e também é mantido de formas diferentes. Aí não dá para ser dogmático, simplesmente transferindo critérios pontuais de uma sociedade e época para outra. Em segundo lugar, temos que levar em conta que a integridade do tecido social está intimamente relacionada à religião. Posturas religiosas diferenciadas levam a percepções e comportamentos sociais diferenciados. E os israelitas, no tempo em que a narrativa bíblica situa esses conjuntos de leis, estão passando por uma “conversão” e reconfiguração religiosa.

Os israelitas estão passando pela experiência de serem separados do mundo em que vivem (que é o que quer dizer “santificação”, Levítico 20.26). Deus os separou dos outros povos (20.24). Na interiorização desse processo, eles devem aprender a fazer distinções (20.25). Aqui vale sempre de novo: quando lemos esses textos, temos que observar o todo, bem como o movimento subterrâneo que anima a narrativa. Ela tem diante dos olhos uma multidão de formação complexa (Êxodo 12.37-38) com forte tendência a, por qualquer coisa, deixar tudo virar um caos. É essa multidão que estas leis e instruções querem organizar e disciplinar, e para isso às vezes haveria que ser mais duro do que se seria normalmente, numa sociedade mais estável.

Dia 109 – Ano 1

Levítico 10

Levítico 10

Levítico 10 mostra o outro lado do momento importante registrado em Levítico 9. Ali vimos como, a partir de então, é o próprio ser humano que presidirá as relações religiosas (no caso, Arão, o sumo-sacerdote). Agora estamos vendo como isso pode ser perigoso. Dois dos filhos de Arão trouxeram diante de Deus um “fogo estranho” (Levítico 10.1). Não fizeram como Deus tinha dito, acharam que isso não importava tanto, que podiam fazer do seu jeito; ou, quem sabe, que eles até sabiam um jeito de fazer melhor!

O resultado foi que saiu um fogo “de diante do Senhor” (10.2) e os queimou e eles morreram, como havia sido alertado em Levítico 8.35. A santidade divina aparece aqui como uma substância inflamável, que pega fogo quando qualquer coisa “impura” ou pecaminosa se aproxima dela. 

A questão de fundo aqui é a da morte que se espalha com o pecado, e da vida em Deus que destrói essa morte. Por mais cruel que essa pequena história nos pareça, o que está em jogo aqui é a própria esperança da reconciliação do mundo. Há um espaço neste mundo que foi conquistado pela vida: é a Tenda, a Morada onde Deus acampa com Seu povo. Se a morte voltar a reinar nesse espaço, tudo estará perdido, pois então a morte venceu a vida.

A reconciliação divina quer chegar à alma do ser humano e de toda a criação, ao centro pessoal de onde emanam as intenções, os desejos. É ali que o pecado se instalou, é ali que a morte se instalou. E é ali que eles têm que ser alcançados e destruídos. Mas se chega ali partindo da existência real e concreta, dos corpos no coração dos quais se encontra esse centro pessoal, e dos ritos e atividades diárias destes corpos. E são estes corpos que precisam aprender a cooperar com Deus nessa caminhada. Aprender que cooperar com Deus é cooperar consigo mesmo, com a sociedade humana e com a natureza. Deus joga no nosso time! Nós é que jogamos contra Ele, por acreditar que Ele joga contra nós.

Dia 99 – Ano 1

Levítico 4 — 5

Levítico 4 — 5

Estamos nos introduzindo, pouco a pouco, no processo de tentar entender o sistema sacrificial e o sistema de oferendas dos israelitas.

Os sacrifícios de animais eram de dois tipos. Num, o animal era queimado por inteiro (é o “holocausto”). Noutro, só partes eram queimadas, e o resto era comido pelos sacerdotes. O mesmo se aplicava às oferendas (como as de alimentos, Levítico 2). As oferendas tinham como objetivo o agradecimento, pagamento de um voto, etc. O holocausto tinha como objetivo fazer “expiação” (Levítico 1.4), remover os pecados e tornar as pessoas “aceitas” por Deus (1.3). 

A santidade divina é “fogo consumidor”. O pecado é destruído em Sua presença. Assim, para evitar que as pessoas sejam mortas, um animal ao qual se transfere o pecado (Levítico 1.4) é queimado. O sangue espargido é a vida que se esvai, propiciando que outra vida seja preservada. A parte das oferendas que não é queimada, é consagrada a Deus e comida pelos sacerdotes (Levítico 2.3,10).

Levítico 4 — 5 é dedicado a instruções sobre o que fazer em relação aos chamados “pecados por ignorância”. São infrações involuntárias, mas, mesmo assim, infrações. O trecho trata dessas infrações, cometidas por quatro grupos: os sacerdotes (4.1-12), o povo (4.13-21), os líderes (4.22-26), qualquer indivíduo (4.27-35 e todo o capítulo 5). Em 5.17-19 temos um tipo de resumo.

Chama a atenção o conceito de pecados “do povo”. Várias histórias do Antigo Testamento vão mostrar como pessoas podem fazer coisas que trazem culpa sobre o povo todo. Nós hoje gostamos de pensar que isso não é mais assim, que só se pode falar de culpa em relação aos indivíduos. Mas as grandes injustiças sociais do nosso tempo, muitas vezes não são atribuíveis a crimes individuais. A sociedade toda, à medida em que permite a injustiça, é culpada. Os textos bíblicos nos ajudam a lembrar disso.

Dia 94 – Ano 1

Êxodo 23

Êxodo 23

Êxodo 22 terminou com um princípio importante para podermos entender as leis da Bíblia. “Ser santo” ou “consagrado” (22.31), aqui, vale para todos. O povo de Deus devia aprender a viver com a percepção de ter sido “separado” (esse é o sentido de “santo”), colocado numa esfera distinta. Isto pode ser entendido de vários jeitos. 

Se os israelitas entendessem que ter sido separado é um privilégio que os torna os únicos para Deus, e todo o resto deixado de lado, seria uma tragédia. E não poucas vezes eles foram tentados a isso. O povo de Deus foi separado para poder aprender tudo de novo, na escola de Deus. Aprender a ver e se relacionar com o mundo como ele é “no começo”. E como Deus quer fazer com que ele fique de novo, reconciliando-o (2 Coríntios 5.17-19). Este sempre foi o critério maior. É o critério de Jesus (Mateus 19.4,8).

O que é importante perceber é que, no mundo como ele está, tudo que Deus fez para ser junto está separado. Essa é a consequência maior do pecado, separar o que Deus quer junto. Vimos isso em Gênesis 3, com aquele fosso que foi se abrindo e separando as pessoas de si mesmas, de Deus, umas das outras, da natureza. O agir de Deus, agora, é para reconciliar, para juntar novamente o que sempre era para ser junto. Mas para isso Ele precisa, num primeiro momento, separar algumas pessoas e uma terra para que ali se aprenda tudo de novo, e que esse aprendizado seja levado, depois, para todas as pessoas e todo o mundo. 

Assim, a separação (santidade) é justamente para poder realizar a reconciliação! Mas se não houver inicialmente esta separação (santificação), e se ela não for constantemente resguardada, todo o processo está ameaçado, e o mundo fica sem esperança. Esta é a perspectiva que está por trás das leis e instruções em Êxodo 23 e ao longo da Bíblia. E vale para nós hoje: tornados santos, separados, para aprender e viver um mundo reconciliado.

Dia 76 – Ano 1